terça-feira, 10 de março de 2009

O Braille, a Tecnologia e as Palavras

Essa é a coluna de novembro, publicada no site “Vejo São José”.

01.11.2008 20h.15
O Braille, a tecnologia e as palavras

Luciane Maria Molina Barbosa (*)

Tenho acompanhado, por meio de algumas listas de troca de e-mail das quais participo, alguns debates acerca do Sistema Braille e, por muitas vezes, me pergunto:
o que leva uma pessoa a negar tanto um código de escrita e leitura que trouxe tantos benefícios, inclusive a ela própria, como pessoa com deficiência visual? E, por outro lado, por que alguns cegos a idolatram, chegando ao ponto de "negar" outras formas de acesso ao conhecimento, tais como a informática ou, até mesmo, ajuda de pessoas videntes (que enxergam) para a leitura de textos escritos no alfabeto convencional?
O fato é que, quando novas descobertas passam a "substituir" outras, já existentes, as pessoas tendem a buscar uma realização mais imediata, cercada por interesses pessoais. Sabemos, também, que a tecnologia traz algum comodismo enquanto que, determinadas tarefas, exigem um certo esforço para sua realização.
Esse cenário de constantes evoluções tecnológicas, hoje, é o responsável pelos conflitos existentes entre os defensores do Sistema Braille, alguns fanáticos extremistas, e os que negam sua eficácia como método necessário e indispensável para alfabetização dos cegos.
O Sistema Braille chegou ao Brasil em meados do século XIX, trazido por José Álvares de Azevedo, um jovem cego que acabava de concluir seus estudos na França, país onde o método foi criado. Na ocasião, o Brasil foi o primeiro país da América Latina a adotar o Sistema Braille como método oficial de ensino de deficientes visuais, no Imperial Instituto dos Meninos Cegos,inaugurado em 1854, hoje conhecido como Instituto Benjamin Constante, no Rio de Janeiro.
Historicamente, o Sistema Braille, criado em 1825 por um jovem Francês, Louis Braille (1809-1852), também teve que resistir às várias tentativas de "negação como um método que pudesse trazer autonomia na escrita e na leitura entre os cegos.
Inconformado com os métodos de estudo da época e motivado pelo desejo de libertar-se da prisão intelectual imposta pelas instituições, Louis, que ficara cego aos 5 anos quando brincava com um instrumento cortante, não mediu esforços para provar que haveria uma maneira dos cegos terem acesso à informação escrita e serem compreendidos, ler e viajarem pelos encantos das letras e palavras.
Porém, criar um método de leitura tátil e escrita, formado por uma combinação entre 6 pontos em relevo, não foi o suficiente. Louis teve que lutar contra aqueles que queriam sua derrota e provar, vagarosamente, que aquela seria a libertação dos cegos a qualquer forma de manipulação cultural.
Já com a popularização do áudio e, sobretudo da informática, a partir dos anos 90, ampliaram-se as possibilidades de acesso à informação pelas pessoas cegas. Fitas K7 com livros lidos e gravados, gravações de aulas, programas de informática que, por meio de uma voz sintetizada (mecânica) reproduzem todo o conteúdo
disponível nas telas, arquivos em mp3, entre outros, fez com que a imensa quantidade de informação disponível fosse renovada na mesma velocidade em que é produzida e em quantidades infinitamente maiores do que as produzidas em relevo.
Não existe mais a necessidade de uma mediação entre quem sabe e quem não sabe Braille. A produção do conhecimento independe da duplicidade existente entre tinta e relevo e, assim, passou a ser trocada facilmente entre videntes e deficientes visuais.
Por um lado, ser fiel ao uso do Braille representa muito mais do que uma gratidão ao homem que, durante toda sua vida, lutou pelo reconhecimento e por trazer a "luz" das palavras a quem não pode vê-las. Representa viajar por um mundo encantado, no qual a imaginação desperta para as sutilezas das formas simétricas, mas que dão vida a imaginação.
Tocar uma letra, uma palavra, formar sentenças, virar a página de um livro, sentir o cheiro, a textura, o som produzido pelo deslizar dos dedos na superfície do papel. Conhecer a estrutura ortográfica das palavras, a gramática, compreender, de perto, todos os ricos formatos da nossa língua.
Tudo isso só nos faz acreditar que o Braille, assim como a letra em tinta, continua sendo o método necessário para que o deficiente visual tenha sua alfabetização comprovada. Esse é o encanto que voz alguma, som algum, tecnologia alguma, por mais avançada que seja, não irá substituir.
Porém, existem momentos em que o Braille já não é suficiente e precisa ser complementado com outros recursos/ferramentas. Está aí o grande segredo. Desvendar os mistérios que existem por trás da tecnologia.
Por outro lado, O Sistema Braille jamais foi a única forma que o deficiente visual teve, de acesso à informação. Com olhares de outros, o cego também pode desfrutar das belezas que o cerca, das palavras, das informações necessárias à sua interação com o exterior.
Por meio da informática, já não haverá mais a necessidade da mediação entre aquele que sabe ler Braille e aquele que, vê apenas um emaranhado de pontos num papel branco. É possível, também, ler livros, ouvir revistas, se comunicar com pessoas distantes, realizar tarefas independentemente da presença de outros. Profissionalmente, o cego passou a ser visto como alguém capaz, que consome produtos, que utiliza serviços.
Mas o Braille ainda é necessário, assim como a informática, os áudios, a ajuda de quem vê, tudo isso faz parte do progresso e, progredir não significa abandonar antigos hábitos, mas sim agregar novas formas e adaptá-las às já existentes.
Buscar um equilíbrio entre as duas linhas de pensamentos, tão extremas, não seria a solução para que o cego tenha garantias de inclusão. É preciso, antes de mais nada, encarar a cegueira como uma "limitação" sensorial, e não tornar, ainda mais restritas, as oportunidades de acesso ao conhecimento, seja por meio do Braille ou de outros recursos/ferramentas que possibilitem tais interações, sem perder o encanto e o desejo de superação.

(*) Luciane Maria Molina Barbosa é professora em Guaratinguetá e Lorena, SP -

Um comentário:

  1. A chave para a integração do Braille com a tecnologia, em minha opinião, é a popularização das linhas braille, que conseguem unir a versatilidade da informática à interação absolutamente íntima com a pessoa cega representada pelo acesso ao braille dinâmico, produzido por estes equipamentos.
    Infelizmente, não vejo movimento no sentido de que sobre estes equipamentos, que são extremamente caros, exista um esforço de nacionalização ou de mudança tecnológica que permite que seu uso possa ser disseminado amplamente, pelo menos para todas as escolas e instituições que atuam com as pessoas cegas. É uma pena isso, e algo precisa ser feito neste sentido.
    Antonio Borges

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