terça-feira, 10 de março de 2009

Entrevista

Conheci o Delamare num curso de Grafia Braille que ministrei na UNESP/FEG - Guaratinguetá. Como um dos colunistas do site "vejo São José", ele me convidou para uma entrevista, a qual reproduzo abaixo. A partir daí, tornei-me, também, colunista deste site. Como as matérias mais antigas sempre são substituídas pelas recentes, fiz uma seleção e começo a reproduzí-las aqui, neste espaço.

Convido vocês, sempre que puderem, dar uma navegada em: www.vejosaojose.com.br, pois sempre há novidades e novos artigos.

11.07.2008 00h.01     
Luciane Maria Molina Barbosa                                            
"A trajetória profissional de uma professora compromissada com as tecnologias em ambiente educativo computacional”

Delamare MC Filho (*)

Conversar com a professora Luciane é mergulhar num imenso mundo de conhecimentos que nos levam as viagens fantásticas na esfera do saber. Luciane é professora especialista em Deficiência Visual e trabalha com deficientes visuais.
A talentosa professora Luciane não mede esforços quando se trata em ajudar os professores interessados em aprender um pouco da sua arte de ensinar alunos com deficiência visual.  Nasceu em Guaratinguetá e sempre viveu nesta cidade prestando seus trabalhos como docente tanto em Guaratinguetá como na cidade de Lorena, cidade vizinha. Vamos conhecer um pouco desta simpática professora que fascina seus alunos:

Como se sente dando aulas para professores videntes? - Essa experiência surgiu da necessidade de divulgar recursos que proporcionassem mais autonomia e independência aos deficientes visuais. Sabemos que para que haja inclusão desses educandos na escola regular é preciso que os profissionais envolvidos tenham uma postura e atitudes que garantam, não só sua presença física, mas sua permanência e participação nas aulas.
A justificativa desses profissionais, ao encontrarem um deficiente visual em suas classes, é de que não estão preparados e, isso é inaceitável, sobretudo no momento em que vivemos. Partiu daí a necessidade de se formar multiplicadores para essa atuação. Não formamos apenas aquela turma, mas sabemos que dali todas as informações serão divulgadas e multiplicadas entre familiares, colegas de trabalho, alunos, entre outros. É essa relação que torna a experiência muito mais gratificante. Nos cursos para capacitar professores videntes (quem enxerga), tenho o cuidado de mostrar que existem técnicas distintas. Eles aprendem como videntes, mas também precisam ter o conhecimento de como transmitir e ensinar as técnicas para os cegos. São aprendizados paralelos, mas necessários para garantir avanços no processo de construção das noções de como um deficiente visual interage com as informações e com o espaço a sua volta. Tenho o cuidado, também, de mostrar as relações existentes entre a teoria e a prática, já que além de profissional da área, sou deficiente visual e vivencio toda essa realidade, trabalho, também, ensinando outros deficientes visuais. Aliar teoria à prática é o caminho para esclarecer que o deficiente, acima de tudo é um ser humano, com qualidades, defeitos, dificuldades... Não podemos admitir certos mitos e estereótipos criados para “explicar”, de forma equivocada, a maneira natural como o deficiente encara suas limitações, criando e recriando formas de convívios. Adaptações sempre são necessárias e, é por meio de pequenas adaptações que desenvolvo minha prática docente, como por exemplo, uso da tecnologia, de leitores de tela e sintetizadores de voz, sistema de leitura tátil e escrita em Braille, entre outros.

Poderia falar um pouco do Dosvox e sua utilidade? - Como costumo falar, a tecnologia veio pra romper as limitações impostas pela própria deficiência. Permitiu-nos ter uma nova perspectiva, nos garantiu acesso a serviços e espaços nunca antes percorridos. Se, por um lado, a informática trouxe tantas inovações para seus usuários, por outro, devolveu aos deficientes visuais a oportunidade de interação com as informações e com outras pessoas de maneira a não haver diferenças entre essa comunicação.
O Dosvox surgiu de um trabalho entre um aluno e um professor, durante um semestre acadêmico. O marco dessa evolução foi em 1993, quando um estudante cego ingressou num curso na área da informática, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desde então, partindo das necessidades desse aluno e tendo como exemplo o empenho e dedicação do professor Antonio Borges, estabeleceu-se relações e esforços para tornar o uso de computadores e de ferramentas mais acessíveis ao deficiente visual.
Apesar das insistentes críticas dos fanáticos por sistemas, como Windows, o uso do Dosvox, antes de tudo representa a libertação do cego, fazendo com que ele compreenda e seja compreendido, já que utiliza para isso, uma máquina absolutamente comum, cuja única adaptação é a instalação do software que permita transformar suas mensagens visuais em mensagens sonoras.
O Sistema Dosvox foi criado usando tecnologia brasileira. Ele se comunica com o usuário por meio de mensagens interativas, que sugerem um diálogo entre usuário e máquina, respondidos por comandos no teclado. Ele está em constante aperfeiçoamento, contando com sugestões e colaboração dos seus usuários. As novas implementações são sempre divulgadas e publicadas no site
http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox
. Nesse site também poderá baixar gratuitamente o programa. Além do Sistema Operacional que contém toda interface com o usuário, o Dosvox conta com síntese de voz e aplicativos específicos como: editor e leitor de textos, impressor e formatador utilitários (agenda, leitor de tela, relógio, calculadora, etc.), jogos didáticos e lúdicos, ampliador de telas para pessoas com visão reduzida, entre outros.

Qual seria mais difícil para o aluno deficiente visual, a teoria ou a prática do Dosvox?  - Como sabemos, toda prática eficaz baseia-se em uma teoria bem aplicável. É necessário equilibrar ambas para garantir avanços no processo. Para o deficiente visual é preciso mesclar, com muito cuidado, as duas situações. Se por um lado a teoria serve para compreender aspectos como, partes do computador, manipulação de pastas e arquivos, atalhos e comandos, por outro lado, a prática é que irá consolidar tudo isso, já que, quando se fala em informática pra cegos, os conceitos são bem mais abstratos. O deficiente visual não terá auxílio de pistas gráficas, o que facilitariam a construção simbólica. Existe uma grande necessidade de se enfatizar a prática, nesse sentido.
Além disso, é preciso destinar um período e atividades específicas para “treino” auditivo. A familiaridade com a voz sintetizada será de suma importância para o desempenho de todas as funções posteriores. Assim, o usuário só será capaz de compreender a funcionalidade e utilização do sistema a partir da manipulação do mesmo. Configuração de timbre de voz, velocidade de leitura, posicionamento de mãos e dedos, pressão ao digitar, entre outros, são requisitos essenciais no manuseio dos computadores falantes.

O Dosvox pode também ser utilizado pelos alunos com baixa visão? - Sim. Além de cores e letras com contraste, o Sistema possui uma ferramenta para ampliar textos, instalada junto ao Dosvox. Quando acionada, o Mouse do computador funcionará como uma lupa.

Alguns alunos deficientes visuais são simplesmente ledores, ou seja, não conseguem fazer uma análise crítica sobre o conteúdo lido.  Como transformá-los em bons leitores? - Esse fato não está presente apenas entre o grupo dos deficientes visuais. Talvez ganhe mais destaque por envolver outras formas e ferramentas de acesso ao conhecimento não tão comums entre os videntes e profissionais. Muitas vezes essa falta de análise crítica está diretamente relacionada ao despreparo desses professores que atuam no ensino de deficientes visuais, como método Braille, uso de leitores de tela e softwares específicos, soroban, orientação e mobilidade, entre outros.
No Braille, por exemplo, se não houver um ensino adequado e que corresponda todas as especificidades que este processo requer o fracasso na leitura, escrita e compreensão serão inevitáveis, já que dependem de posicionamento de mãos, movimento, coordenação, estimulação tátil, entre outros. Se o cego não for capaz de compreender o que se lê, não será capaz de estabelecer uma análise crítica sobre o seu conteúdo.
No caso dos programas que convertem o texto para áudio, essa relação ocorre de forma a facilitar a compreensão pelo deficiente visual. Após já estar familiarizado com a voz, timbres e velocidade, a leitura será confortável e dinâmica, pois poderá levar em conta até mesmo a entonação, pontuação, pausas, entre outros.

Compreendendo-se o que está sendo lido ou, ouvido, será mais fácil analisar criticamente o conteúdo e formular suas próprias conclusões sobre o assunto.
Neste caso, é um estímulo a mais para formar bons leitores e, como conseqüência, escritores de sua própria história.

Poderia dar um recado aos professores que trabalham com deficientes visuais? - Que a potencialidade do ser humano, independente de qual for a limitação, não seja quantificada, não seja determinada por posturas reducionistas... Somos capazes de criar e recriar condições favoráveis para estabelecer nossas relações com o meio e com as pessoas.
Que os profissionais estejam abertos para compartilhar e aprender novas maneiras de ação e interação com o outro. Não há um conhecimento pronto ou acabado, mas estamos sempre dispostos a conquistar a inclusão.

(*) Delamare MC Filho é professor -

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