terça-feira, 30 de setembro de 2014

Relato de Experiência no III Fórum de Inclusão em Pindamonhangaba

Vencer é ultrapassar com o olhar além daquilo que se pode ver

Luciane Maria Molina Barbosa

Tocar nas figuras, ouvir as imagens, sentir o aroma e o sabor das cores foi algo extremamente natural pra mim desde muito cedo. Foi através dos "olhos" de alguém que fui construindo meu vasto repertório de imagens e me interessando por tudo aquilo que faz parte do mundo real, sem que me excluíssem das atividades comuns. Sempre freqüentei o ensino regular, mesmo em uma época que falar sobre "inclusão" era utopia. Quebrei todos os protocolos e nunca fui a "aluna especial" aos olhos daqueles professores e colegas de classe. Meus pais sempre foram os heróis de uma história que ainda está em construção, porque continuam a caminhada comigo num ato de doação pela causa da pessoa com deficiência visual. Apesar de ter conseguido ser alfabetizada em tinta, com uso de potentes lupas e letras extremamente ampliadas, num certo momento já não conseguia ler nem escrever. Até aprender o Sistema Braille, com 12 anos de idade, apenas lia e escrevia mais pelos "olhos" e "vozes" que eram emprestadas gentilmente, ora dos meus pais, ora dos colegas de classe e professores. A visão cada vez menor não reduziu minhas perspectivas de acesso ao conhecimento. Alimentar-me com informação tornou-se algo vital. Aprendi o sistema Braille em quatro meses e o mundo transformara em letras, palavras, sentenças, histórias infinitas, lidas por meio do meu próprio esforço. Escolhi como carreira o magistério e formei-me pedagoga. A ausência de profissionais habilitados para o ensino do Braille em minha região despertou o meu interesse em contribuir para que as pessoas cegas deixassem o conformismo e se libertassem da prisão intelectual a qual estavam submetidas. Através da educação eu poderia comunicar e informar, ensinar e transformar realidades por onde pisasse. Nunca consegui enxergar os limites apesar da cegueira; ultrapassar barreiras significa enxergar potencialidades onde a sociedade rotula incapacidades. Minha trajetória profissional teve início com a alfabetização e reabilitação de pessoas cegas. Mais tarde, porém, percebi que a inclusão não é um processo isolado, dentro de um espaço exclusivo e sem desafios. Passei a formar professores e outros profissionais para atenderem pessoas cegas ou com baixa visão no ensino regular. Tornei-me palestrante, consultora e uma estudiosa incansável. Em quase quatorze anos de atuação na educação especial e inclusiva, sinto-me grata por cada desafio encontrado, por cada "olhar" positivo de surpresa ou de reprovação recebido, porque a beleza da vida é compartilhar conhecimento, realizar sonhos e ultrapassar as barreiras visíveis, e até mesmo as invisíveis, embora tenhamos a certeza de que perceber o mundo através dos sentidos seja algo mágico e, ao mesmo tempo, um ato de coragem que aprendemos diariamente. A inclusão é construída na coletividade, por isso, permita-se adentrar nesse espaço tão desafiador; permita-se atravessar essa estrada, porque juntos podemos enxergar ainda mais longe!

* Pedagoga e pessoa com deficiência visual. Especialista em atendimento Educacional especializado (UNESP). Pós-graduanda pela UNIFEI em Tecnologias, Formação de Professores e Sociedade.

Atua há mais de 13 anos com educação especial e inclusiva, com trabalhos voltados à alfabetização Braille, tecnologia assistiva, audiodescrição e formação de professores. Vencedora do IV Prêmio Sentidos (2011)do IV Prêmio Ações Inclusivas (2013), palestrante e colunista. Mantém o blog www.braillu.com

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