sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Fundação Dorina Lança Livro Exclusivamente em Braille para Debater Acesso Universal à Cultura

Enquanto lia a matéria abaixo fiquei pensativa... poucas pessoas podem imaginar a sensação de ter um mundo de informações diante de si sem conseguir interpretá-las simplesmente porque são inacessíveis para quem não enxerga. Antes de aprender o Braille, por volta dos meus doze anos de idade, as leituras me eram oferecidas, ora através de livros com letras bastante ampliadas, cuja fadiga visual não me deixava ler mais do que duas páginas ao dia, ora pelas vozes dos meus pais, que frequentemente as emprestava para entoar histórias, contos, notícias... Sempre gostei de ler através dos olhos daqueles que, com seus timbres próprios, me faziam viajar e construir meu repertório imaginário num mundo mais do que real. Com o aprendizado do Braille veio a certeza de que eu jamais seria indiferente à leitura, ela já fazia parte da minha história e logo que consegui juntar aqueles emaranhados de pontinhos em relevo, decifrando-os em palavras e sentenças, parti pra minha primeira aventura literária. Lembro-me como se fosse "ontem", que enquanto tateava aquelas páginas amareladas pelo tempo, lia não somente um roteiro qualquer que fora materializado no papel. Muito além daquele desfecho, o que encontrei nas entrelinhas foi a sensação incrível de liberdade, de conquista, de autonomia, de coragem; coragem pra assumir que dali pra frente eu jamais seria a mesma pessoa, pois havia conquistado o "mundo" na ponta dos dedos. Ler por meu próprio esforço significou me libertar das amarras intelectuais presas nas letras grafadas, tingidas numa folha de papel lisa e que pra mim pareciam borradas. Não podia ter escolhido título melhor pra ser a minha primeira experiência literária: O Pequeno Príncipe.
Com os dedos ainda cambaleantes nas linhas e o cérebro um pouco enferrujado pelas circunstâncias,
mal conseguia estabelecer o sincronismo que precisava para interpretar aquela história tão cheia de grandes ensinamentos. Foi quando percebi, ao chegar na última página do livro, que nada havia captado da história. apenas decodifiquei palavras, num misto de ansiedade e euforia, de inexperiência e treino. Fechei o livro e reiniciei a leitura, agora muito mais confiante e certa do que estava fazendo. Depois desse foi outro, e mais outro, e mais outra... e minha vontade de ler aumentava proporcionalmente à minha agilidade tátil, a qual ia sendo aprimorada a cada novo título. Não consegui, porém, acreditar que esse mundo "mágico" não demoraria a terminar, justamente pela ausência de obras em Braille editadas e disponíveis para as pessoas cegas. É certo que eu ainda mantinha alguma esperança de entrar em uma livraria e conseguir encontrar pelo menos um título em Braille no meio de centenas, mas isso nunca aconteceu. Comemorava aos pulos e gritos cada vez que a Fundação dorina enviava alguma obra nova que havia editado e essa possibilidade foi se tornando rara até desaparecer de vez. Contudo, minha "paixão" pela leitura em Braille nunca se extinguiu, mas fui obrigada a buscar outras alternativas para satisfazer minhas necessidades literárias. Hoje leio bastante através do computador, utilizando um software que converte todas as informações visuais em fala sintetizada. É claro que a experiência não é a mesma, mas diante de um mercado editorial "egoísta" é o que temos para o momento, sem contar que a quase totalidade dessas obras digitalizadas é feita manualmente pelos próprios cegos, que scanneiam os livros e os converte para texto acessível.
as dificuldades e resistências editoriais para disponibilizaçã
o de obras acessíveis são inúmeras, mas o fato é que sempre desejei poder desembrulhar um pacote e nele conter um livro de papel; sempre desejei entrar numa livraria e sair de cabeça erguida com um livro físico nas mãos; de frequentar exposições literárias e lá tocar em uma obra em Braille.
Pode até ser uma jogada de marketing, mas que a Fundação dorina me tocou muito com essa iniciativa, é fato. Sei que não é o suficiente e nem o ideal pra conscientizar o mercado editorial da importância e necessidade de que um exemplar em formato digital acompanhe a obra em tinta ou, pelo menos, que seja disponibilizada
para quem deseja comprá-lo.
Acredito que essa iniciativa é grandiosa no sentido de provocar no público a sensação de "negligência" diante de uma minoria que se torna expressiva na medida em que a inclusão é um ato de pertencimento e de apoderamento. É uma ação que traz um impacto porque a inclusão precisa ser vista de diferentes ângulos. A pessoa que enxerga será excluída desse processo justamente porque um livro somente em Braille atinge apenas um público muito delimitado. E talvez essa pessoa que enxerga nem se importe com isso, ou nem sinta a real necessidade de ler esses textos porque, afinal, a competição é desleal; elas possuem milhares de títulos pra ler enquanto nós...
Esse fato fez-me recordar da apresentação do meu trabalho de conclusão de curso de Especialização em atendimento Educacional especializado na Perspectiva da Educação Inclusiva. Tínhamos que apresentar um pôster impresso, contendo um resumo do artigo científico produzido. Solicitei o uso de recursos para consulta ao que estaria escrito no meu pôster, como um folheto em Braille ou um notebook com leitor de tela. Imediatamente eu tive minha solicitação negada. Ora, porque eu teria que apresentar algo inacessível pra mim? Foi então que a ideia de fazer um pôster totalmente em Braille me veio em mente. Durante a apresentação estava tudo lá, na mesma disposição, com a mesma formatação, mas tudo em Braille, com o relevo num papel branquinho. Enquanto lia e explicava meu trabalho, retirava olhares de espanto e surpresa da orientadora, que nada entendera até ali. Quis, justamente, colocá-la na situação inversa, a de estar sendo excluída, porque o processo de inclusão precisa contemplar a todos, sendo uma via de mão dupla. Foi então que virei o pôster e no verso estava lá, a apresentação em tinta, como deveria ter sido desde o início, então, mostrei que a inclusão não é diferenciar ou estereotipar um grupo, uma minoria por necessitar ou por utilizar recursos diferentes, mas é contemplar, num mesmo produto, a diversidade que está presente ali.

Somente assim, através de iniciativas como a que a fundação dorina lançou, é que podemos debater o acesso universal a leitura. Que esse seja o começo... e que esse começo, por menor que seja, provoque o impacto que deva provocar.

 

http://www.sul21.com.br/jornal/fundacao-dorina-lanca-livro-exclusivamente-em-braille-para-debater-acesso-universal-a-cultura/

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