terça-feira, 24 de abril de 2012

TRANSFORMAÇÃO | INICIATIVAS DERRUBAM BARREIRAS DE EXCLUSÃO E PRECONCEITOS Pessoas com deficiência: desafios para a inclusão


         Jornal Santuário de aparecida • 18 de março de 2012


TRANSFORMAÇÃO | INICIATIVAS DERRUBAM BARREIRAS DE EXCLUSÃO E PRECONCEITOS Pessoas com deficiência: desafios para a inclusão


eduardo Gois deniele Simões

Você conhece agora histórias que se entrecruzam no que diz respeito à força de vontade.
A professora Luciane Maria Molina Barbosa tem 29 anos, mora em Guaratinguetá (SP) e é pedagoga com ênfase em atendimento educacional especializado. Ela ministra cursos de capacitação presencial ou em Educa- ção a Distância (EaD), é palestrante e autora de vários artigos publicados em diferentes mídias educacionais. Vence- dora do IV Prêmio Sentidos/2011, com ações realizadas na área da inclusão da pessoa com deficiência, também mantém um blog na internet.


Imagem: Soraia Alvarenga

rar os próprios limites físicos a fez entender que pode realizar muito mais
   Imagem: Luciane: “A superação é inerente
 ao ser humano e não apenas à pessoa
 com alguma deficiência”
                                                                                                                                                                                              
Soraia Alvarenga tem 49 anos, um filho de 26, mora em São Paulo (SP) e é presidente de uma associação que promove a inclusão de pessoas com deficiência. Ela participa de projetos nessa área na Universidade de São Paulo (USP) e ainda trabalha com monitora- mento de equipes de call center.
Além da extensa lista de ativida- des, as duas têm em comum o fato de serem pessoas com deficiência, desde a infância. Luciane possui deficiência visual, e Soraia usa uma cadeira de rodas para se locomover. Elas são um exemplo de que é sim possível ter uma vida normal e fazer sua parte perante a sociedade, independentemente da condição. “Não é meu marido que tem três empregos, sou eu mesma!”, brinca Soraia, com uma bela gargalhada. Ambas são cidadãs economicamente ativas, que produzem muito com seu trabalho. Mas será que a sociedade partilha dessa troca na mesma proporção? Talvez. Algumas pessoas fazem um trabalho de formiguinha nessa longa caminha- da pela inclusão de uma parcela da população mundial que chega a 10%, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). A presidente da Comissão de Aces- sibilidade e coordenadora do Núcleo de Apoio a Pessoa com Deficiência e Altas Habilidades/Superdotação da Universi- dade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, Nara Joyce Viei- ra, acredita que a principal dificuldade encontrada em relação à inclusão educa- cional refere-se às barreiras e às atitudes impostas pela sociedade. Porém, mesmo diante das dificuldades, há tentativas para promover uma mudança nesse quadro, como os Núcleos de Acessibi- lidade que estão sendo implantados nas universidades federais.
As mudanças, porém, ainda se mostram pouco percebidas, porque as ações de inclusão são muito recentes e as pesquisas ainda incipientes. A responsável pelo núcleo também cita dificuldades para a inclusão em função da falta de costume da própria comu- nidade acadêmica à realidade.
O professor e pesquisador Carlos Bandeira de Mello Monteiro é outra pessoa cujo trabalho tem contribuído com a inclusão. O docente realizou uma pesquisa na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universida- de de São Paulo (USP) durante o ano de 2011 que analisou o desempenho de pessoas com deficiência em jogos eletrônicos, principalmente do console Nintendo Wii, que exige movimentação física dos jogadores.
   Pessoas com paralisia cerebral, Síndrome de Down e atletas paraolím- picos praticaram o jogo de boliche e tênis de mesa do console. Mesmo com dificuldades no início, a pesquisa fez com que essas pessoas aprendessem muito, tanto em aprimoramento de coordenação motora quanto, principalmente, no que diz respeito à consciência de que podem fazer mais coisas. “Descobri que não sou tão limitada quanto pensava. Sou capaz de realizar mais”, relata Soraia, que participou da pesquisa idealizada pelo professor Carlos. “Bom seria se no futuro esses jogos servissem para reabilitação na casa das pessoas, que pudessem avaliar o defi- ciente e propor algo baseado na dificul- dade que ele tem”, ressalta o professor. A pesquisa resultou no livro gratui- to Realidade virtual na paralisia cerebral, que está disponível para download na internet. A edição foi lançada por Monteiro com a colaboração de diver- sos pesquisadores que participaram dos estudos.
Outro que atualmente se preocupa com a questão é o professor e escritor padre Pedro Cunha. Recentemente, ele republicou uma de suas obras – Escritos de um andarilho – em formato áudiobook. Embora não seja um forma- to exclusivamente para deficientes visuais, já é uma opção para aqueles que procuram ter acesso a conteúdos literários em diferentes formatos.
Padre Pedro conta que teve a ideia de publicar o áudiobook para preencher uma lacuna na realização dos trabalhos que já desenvolveu. Ele explica que a percepção da importância de se atender a esse públi- co seleto e expressivo é fundamental.
A professora Luciane explica que é preciso criar condições e levar ao conhecimento das pessoas a existência desses trabalhos, apesar de o mercado editorial ainda não enxergar a pessoa com deficiência visual como consumi- dora de informação, serviços e produtos. Ela acredita que iniciativas como essa, mesmo que isoladas, são valiosas no sentido de divulgar, cobrar e até mesmo mostrar que há sim uma demanda. “Precisa-se ter a sensibilidade de que o ‘pouco’ representa ‘muito’. Temos de lutar por poder entrar numa livraria e ter a autonomia de escolher uma obra, sem estar refém do restrito mercado existente para quem lê por outros meios. Quando comprei meu primeiro livro em braille já era professora e o fiz para atender minhas necessida- des profissionais. Foi uma das maiores conquistas como consumidora”, relata.

 atender à diversidade construindo uma sociedade mais justa

A professora com deficiência reforça que a inclusão deve partir justamente do princípio da diversidade, pois, se partirmos da igualdade, não estaríamos considerando as particularidades e individualidades.
“Necessidades todos temos, independentemente de uma deficiência aparente. Talvez todos nós tenhamos dificuldades, mas as pessoas com defi- ciência possuem sinais com muito mais evidência, por não serem comuns à maio- ria das pessoas, o que não reduz a capa- cidade de relacionar-se com o mundo, com o conhecimento, com as pessoas.”
Segundo Luciane, a sociedade já começa a dar seus primeiros passos, mesmo que pequenos. Mas, como se trata de um processo, precisa-se subir um degrau por vez para atingir o topo da escada: a excelência.
Quanto mais as pessoas com deficiência saírem da zona de conforto para construir sua identidade, mais serão reconhecidas e compreendidas quanto às necessida- des. Muito se avançou em educação, em tecnologia, em acessibilidade, mas a luta é constante e permanente.

Olhar-se no espelho, acertar os últimos detalhes, verificar a maquia- gem, assentar os fios de cabelo “rebeldes”. Esses gestos são bastante comuns quando modelos se prepa- ram para adentrar a passarela, para um desfile de modas ou para entrar em um estúdio e encarar uma sessão de fotos.
É assim também que os modelos da agência Kica de Castro costumam portar-se antes de iniciar um traba- lho. A primeira agência de modelos com deficiência do Brasil possui 80 profissionais, homens e mulheres, com idades entre quatro e sessenta anos, que atuam tanto em editoriais de moda quanto ilustrando peças publicitárias.
Tudo começou em 2007, quan- do a fotógrafa e publicitária Kica de Castro fotografava pessoas com deficiência em um centro de reabi- litação. Ela já fazia um trabalho de humanização das fotos no centro e decidiu transformar isso em opor- tunidade para as pessoas com defi- ciência. “Mesmo sem apoio, montei a agência e investi no meu projeto. Afinal, só tentando iria saber se daria certo ou não.”
No casting, destaque para pessoas com paraplegia, paralisia cerebral, tetraplegia, vítimas de pólio e mielomeningocele, defi- cientes visuais e auditivos, portado- res de Síndrome de Down e também amputados.
Caroline Marques, de 30 anos, é uma das contratadas da agên-
Desde 2005, o Ministério da Educação mantém o Programa de Acessibilidade na Educação Superior (Incluir), que visa garantir o acesso pleno de pessoas com deficiência às instituições federais de ensino superior.
Um dos objetivos principais é fomentar a criação e a consolida- ção de núcleos de acessibilidade nas instituições federais.
Beleza e deficiência
cia. O sonho de ser modelo vinha sendo acalentado desde criança, mas foi interrompido por um acidente de carro, que a fez perder os movimentos das pernas. “Achei que a cadeira de rodas não daria essa oportunidade”, conta.
Há cinco anos, a jovem recebeu o convite de uma amiga para partici- par de um desfile e acabou aceitando. Quando o desfile terminou, chegou a pensar se o mercado lhe daria novas oportunidades.
As tentativas foram muitas, mas ela sempre ouvia a resposta de que não havia vaga para seu perfil, apesar da beleza de Caroline. Pouco tempo depois, ela teve acesso ao trabalho de Kica, por meio de uma amiga em comum. “Entrei em contato, fiz o teste e passei.”
Desde então, Caroline nunca mais parou e hoje encara o trabalho de mode- lo com profissionalismo. Segundo ela, é preciso ter muita dedicação, estudo e disposição para enfrentar o preconceito. Além das regras impostas pelo mundo fashion, os profissionais com deficiên-
cia precisam ter paciência para conquis- tar espaço no mercado. “O maior desafio é quebrar o tabu do preconceito, pois a cadeira de rodas é apenas um detalhe”, assegura.
A modelo vivenciou uma situa- ção de preconceito por meio da atitu- de de um empresário que gostou de um desfile, mas não quis associar sua marca a pessoas com deficiência. “Ele acabou generalizando tudo e falou que a empresa dele não fazia campanhas sociais”, conta.
Para Caroline, quem perdeu foi o próprio empresário, que deixou de atin- gir os 45 milhões de consumidores que têm alguma deficiência no Brasil.

autoestima lá em cima

Quando Kica de Castro começou a trabalhar com deficientes, as pessoas que eram fotografadas não tinham a visão de que podiam ser mode- los. “Elas tinham vaidade, mas ainda faltavam as oportunidades reais.”
Muitas dessas pessoas sequer se olhavam no espelho e andavam com a cabeça baixa. Quando a fotógra- fa anunciou que estava abrindo a agência, muita gente não acreditou na viabilidade do projeto.
Após cinco anos de atividades, hoje Kica vê uma melhora muito grande na autoestima das pessoas com deficiência fotografadas. Hoje, os modelos da agência seguem uma rotina que em nada difere dos profis- sionais convencionais: preocupações com cabelo, depilação, unhas, corpo e atividade física. No estúdio ou em uma externa, antes da sessão foto- gráfica, os modelos fazem questão de se olhar no espelho e ficam mais confiantes em si mesmos. “Vendo o resultado das fotos, a questão de se olhar no espelho e falar ‘sim sou uma pessoa bonita’ aumentou”, conta a fotógrafa, que não faz qualquer tipo de manipulação por computação gráfica nas imagens.

imagem: Kica de Castro, idealizadora da primeira agência para modelos com
deficiência do Brasil

Imagem: Caroline: “Maior desafio é quebrar tabu do preconceito”

“incluir” ainda busca resultados no ensino superior

Desde 2005, o Ministério da Educação mantém o Programa de Acessibilidade na Educação Superior (Incluir), que visa garantir o acesso pleno de pessoas com deficiência às instituições federais de ensino superior.
Um dos objetivos principais é fomentar a criação e a consolida- ção de núcleos de acessibilidade nas instituições federais. Na opinião da professora Nara Vieira, a inclusão tem sido uma das principais funções dos Núcleos de Acessibilidade nas universidades, principalmente quando se considera que ainda é muito comum professores universitários que não sabem o que, como e quando ensinar ao estudante com deficiência.
A docente acredita que todo esse trabalho está focado no apoio, que é de suma importância tanto para os profes- sores e funcionários das universidades como para os alunos.
No caso da UFSM, o Núcleo de Acessibilidade existe desde 2007 e atende 163 alunos, no período compre- endido entre 2008 e 2012. Ao todo são
73 deficientes físicos, 22 surdos, 34 deficientes auditivos, 31 cegos / baixa visão, um com deficiência múltipla, dois com transtornos globais do desen- volvimento e outros 10 com transtornos psiquiátricos.
O Núcleo oferece ações para a garantia do acompanhamento dos alunos nos diferentes cursos, o que inclui o mapeamento da situação dos estudantes, orientação aos professores, oferta de apoio acadêmico aos alunos, mediante palestras, seminários, cursos de extensão, capacitação e empréstimos de materiais.
As ações também contemplam discussões sobre como romper as barreiras de comportamento diante dos alunos com necessidades educacio- nais especiais e a disponibilização de um profissional intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) para quem necessita do serviço, assim como campanhas de conscientização da comunidade acadêmica sobre a pessoa com deficiência.
Como a iniciativa do Núcleo é muito recente, não há informações sobre o ingresso desses alunos no mercado de trabalho, por exemplo. “Ainda não temos essas estatísticas, pois temos o registro dos alunos que entraram nos cursos em 2008 e que estão prestes a concluir sua formação, agora em 2012”, conclui Nara.





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