quarta-feira, 5 de março de 2014

Meu Retorno e uma Reflexão sobre o Dosvox

Olá leitores do "Espaço Braille":
 
No início de 2009 criei esse blog com a finalidade de concentrar, em um único espaço, informações relevantes referentes à deficiência visual. a princípio, mesclei postagens que continham minhas próprias produções de textos e outras com a reprodução de notícias relacionadas ao tema da inclusão.
 
Aquelas reproduções, cópia dos noticiários não me deixavam satisfeitas, menos ainda quando eu descobri as redes sociais como aliadas Às minhas divulgações. Realmente percebi que o Blog teria que cumprir o papel do ineditismo, tinha que construir uma identidade própria para que realmente pudesse atingir seu verdadeiro objetivo. Foi quando fiz dele um repositório de experiências, àquelas construídas através dos cursos, das palestras, das formações e das aulas que ministrei ao longo desses 5 anos de existência desse espaço.
 
Novamente sinto que preciso mudar o percurso. Desde novembro sem postar, tenho investido no facebook para divulgar meus projetos e, aos poucos, percebido, que essa rede social, embora ampla e universal, faz com que as informações se percam em meio à tantos apelativos visuais.
 
Retomo minhas atividades nesse espaço, firmadas pela vontade gigante de que algumas das minhas palavras possam ecoar por muitos cantos. Além do repositório de atividades, publicarei aqui alguns textos mais técnicos sobre educação inclusiva, opiniões, relatos de experiências, enfim... não prometo seguir um único estilo, mas pretendo, sobretudo, continuar utilizando este espaço para uma ampla divulgação sobre inclusão e acessibilidade.
 
E na primeira postagem dessa nova fase falarei sobre o dosvox, um software para pessoas com deficiência visual.
 
Não sei se todos sabem, mas dei meus primeiros passos, ou melhor, minhas primeiras engatinhadas no mundo da informática através do sistema dosvox, um conjunto de aplicativos desenvolvidos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, através de um projeto coordenado pelo Professor José Antônio Borges.
 
<a href="http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox/historico.htm"< Leia a História Completa do Dosvox aqui </a>   
 
Ainda pouco populares, os computadores começaram a ganhar espaço, timidamente, nas residências brasileiras e foi assim que chegou uma máquina dessas em casa, por volta de 1996. Com processador bem modesto, monitor ainda em preto e branco e sistema DOS, aquela parafernália toda era o que tínhamos de mais moderno.
 
Arriscava algumas pequenas frases e digitação de palavras. aprendi alguns comandos do DOS, suficientes para salvar alguma produção textual e nada além das meras tentativas numa interface totalmente muda e monocromática. Nessa época, porém, já existia o dosvox, o que nem de longe passava pelas nossas cabeças.
 
Foi então por volta do ano de 2000, já com uma máquina mais robusta e com Windows 95 instalado, que as tentativas por acessibilidade começaram. Já era do nosso conhecimento a existência de um software que convertia as informações textuais em áudio. Pouco divulgado, até porque a internet não chegava em muitos lares, minha mãe decidiu investir em uma pesquisa pela rede, na época através de acesso discado.
 
A grande surpresa veio da Rede SACI
 
<a href="http://www.saci.org.br/"> Conheça Aqui a Rede SACI </a>
 
que disponibilizava uma versão demonstrativa do sistema dosvox, comercializado na época. depois de mais de seis horas de download, os quase 30 MB depois de instalados, se transformaram  em algumas dezenas de aplicativos, algo muito complicado e curioso ao mesmo tempo. Os conceitos eram outros e as dúvidas foram muitas nesse momento.
 
Foi ainda no chat da Rede SACI, acessado via navegador que conseguimos algumas poucas informações a respeito. descobrimos que as letras poderiam se transformar em teclas de atalho e que aquela voz robotizada era configurável com relação à velocidade e timbre. Durante esse tempo de aprendizados virtuais quem oferecia gentilmente sua voz e seus olhos para as leituras, era  minha mãe. Ela lia, passo a passo, todas as informações textuais ou imagens que apareciam diante de nós, o que rendeu-lhe o apelido de "mãevox". Acessei, então, o mesmo chat de bate papo via Papovox, um dos aplicativos deste pacote e comecei a interagir com os usuários cegos que participavam desse espaço.
 
A tecla F1 passou a ser minha companheira de todas as horas, pois bastava ter alguma dúvida para pressiona-la e obter, em áudio, todas as opções disponíveis para aquela aplicação. As dicas dos amigos de bate-papo, os quais conservo amizade até hoje, foram extremamente relevantes, mas confesso que as tentativas foram inúmeras para conseguir algum sucesso na manipulação do Dosvox. apesar de intuitivo era algo muito novo, disponível por meio de uma plataforma bastante diferente, afinal eu nunca tinha tido um contato tão próximo com uma máquina dessas.
 
Enquanto eu descobria mais comandos e agregava mais conhecimentos para explorar todo o potencial de um computador, outro mundo se revelou por trás daquela sala de bate-papo. Descobri o Universo das pessoas cegas, tão escondido, tão distante do que era possível chegar aqui em minha cidade. Passei a estar mais perto de realidades tão semelhantes às minhas, mas tão diferentes ao mesmo tempo.
 
A partir de 2002 o sistema dosvox passou a ser distribuído gratuitamente pela internet e, por isso, ganhou muito mais seguidores e simpatizantes pelo país. Foi o alge do seu desenvolvimento, quando mais e mais usuários se juntaram numa comunidade virtual para sugerir mudanças, alterações e novos aplicativos para o sistema.
 
Passamos a conviver entre discursos apaixonados e críticas destrutivas, mas o certo é que eu encontro muito bem esse ponto de equilíbrio quando consigo enxergar o papel que o dosvox teve e ainda tem na vida de muitas pessoas. Alguns aplicativos se tornaram obsoletos enquanto outros novos surgiram. A boa tecnologia assistiva é justamente aquela capaz de atender uma determinada necessidade, que pode variar de pessoa para pessoa. Ora, se algo não serve pra mim eu posso buscar outras alternativas, mas nunca julgar atribuindo o mesmo peso e a mesma medida.
 
O Dosvox foi um divisor de águas na vida de muita gente. E conforme o tempo foi passando, nós que aceleramos o passo nessa corrida desenfreada pela informação, deixamos o dosvox pra trás.
 
Reconheço que são grandes os esforços da equipe de desenvolvimento do sistema dosvox, ainda hoje coordenada pelo Professor Antônio Borges; reconheço que a comunidade Dosvox, reunida em um grupo virtual, tem desempenhado um papel importantíssimo com a criação e arquitetura de muitos programas e scripts, de forma isolada ou oficial; reforço o caráter lúdico e pedagógico que o sistema possui, facilitando que tenha uma abrangência ampla, desde os pequenos até os adultos e idosos; Percebo que esse modelo de implementações de aplicativos tem mais afastado as pessoas do que agregado novos membros à comunidade de usuários; insisto que o dosvox foi o grande responsável pela inclusão digital de muitas crianças e jovens, contribuindo fortemente para o desenvolvimento acadêmico, laboral e social dessas pessoas...
 
E o grande PONTO FORTE do dosvox sempre foi a sessão de Jogos, aqueles que encantavam por manter um diálogo muito espontâneo com o usuário. Considero que os Jogos eram a porta de entrada para qualquer outro novo aprendizado e que deixaram de ganhar investimento. Um reflexo que tem trazido grandes insatisfações no meio pedagógico, entre os profissionais que atuam no atendimento Educacional especializado, nos laboratórios de informática, nas instituições e, ainda, nas escolas regulares. Se antes os professores poderiam lançar mão de uma ferramenta bastante instrutiva e divertida ao mesmo tempo, hoje enxergam o dosvox como mera cópia de aplicativos remodelados daquilo que conseguem fazer utilizando qualquer outro leitor de telas.
 
Os repositórios virtuais de atividades trazem um número muito expressivo de jogos e brincadeiras que podem ser acessados por qualquer criança, desde que não seja cega, já que essas atividades não contam com o mínimo de acessibilidade. Enquanto as crianças aprendem brincando, a criança cega está restrita a "meia dúzia" de joguinhos, cuja resolução estimada não deve passar de umas 5 ou 6 aulas. Elas se cansam de executar tarefas repetidas e acabam criando uma certa resistência, afastando-se do que deveria trazer prazer e conhecimento.
 
É uma pena, porque o Dosvox tem todos os pré-requisitos pra se constituir num objeto de aprendizagem prazeroso e lúdico entre as crianças... e o Projeto JOGAVOX, recém-lançado não emplacou como gostaríamos. Os profissionais ainda não conseguem desenvolver um jogo com todos aqueles comandos para executar e preencher lacunas. Está muito, mas muito distante da realidade desses profissionais, a menos que recebam um treinamento pra isso.
 
Fica aqui meu apelo aos desenvolvedores do Sistema Dosvox para que essa centena de profissionais Brasil afora sejam ouvidos, para que essas centenas de crianças possam se orgulhar do sistema Dosvox como eu já me orgulhei um dia...
 
E fica aqui registrada nossa eterna gratidão ao homem que tornou tudo isso possível: Professor José Antônio Borges.
 
 
 
 
 
 

2 comentários:

  1. Parabéns pela reflexão e pela forma simples e clara de discorrer sobre o tema.
    Concordo em número gênero e grau contigo!

    Flávio Correia

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