sexta-feira, 7 de março de 2014

Inclusão, o mundinho do faz-de-conta


INCLUSÃO - O MUNDINHO DO "FAZ-DE-CONTA"
Quem não se lembra do "era uma vez" dos contos de fadas, repertório do
universo infantil? Pois é... ultimamente percebo que esse universo
imagético tem se transportado para o meu mundo real. Mas eu não vivo num
país do "faz-de-conta"!
Os discursos acerca da inclusão de pessoas com deficiência têm ganhado
muita força, principalmente como instrumento de promoção pessoal ou
institucional. Usados de forma leviana e descompromissada, tais
discursos têm gerado uma série de ações que, nem de longe, visam cumprir
as reais intenções no que se refere à acessibilidade nos diversos
setores públicos ou privados. Isso é, o "faz-de-conta" tem servido como
um meio de divulgação barato dos precários serviços oferecidos em prol
de um segmento social.
A deficiência passou a ser tratada como mercadoria ou como condição para
justificar as falhas daquele determinado sistema. Ou se consegue
oferecer condições mínimas de acessibilidade, ou se coloca a culpa na
própria pessoa com deficiência e na falta de especialização de
mão-de-obra qualificada para lidar com esse público. Será que viramos
E.T.s?
Jamais esperei criticar tanto; jamais pensei que o meu "olhar" revelaria
uma realidade muito precária, com poucos progressos ou quase nenhum
avanço efetivo. É triste constatar que, nem mesmo com todos esses
dispositivos legais a nosso favor, a inclusão evolui. As tímidas
conquistas estampadas pela mídia não alcançam as milhares de injustiças
que acontecem Brasil afora. Muitos dos serviços oferecidos não atingem,
de fato, a necessidade de determinado grupo, mas a desculpa de que são
oferecidos é suficiente para que o sistema se vanglorie de suas ações
medíocres, porque medem todas as pessoas com deficiências com a mesma
régua. Os serviços oferecidos não passam de fachadas e a preocupação com
a qualidade é, na maioria das vezes, inexistente.
Ultimamente, verifico que minha persistência tem gerado repulsa, porque
trabalhar pela "inclusão" significa, antes de qualquer coisa, incomodar,
tirar o sistema da zona de conforto e promover o caos. Caos que nem
todos estão dispostos a enfrentar. E aí fico buscando, silenciosamente,
por uma justificativa e quero acreditar que é somente pela
"desinformação" que a atitude inclusiva não é impregnada, de fato, na
estrutura das cidades, dos serviços oferecidos, enfim, dos sistemas em
geral.
E aí seria muita inocência da minha parte considerar que essa
desinformação seja o único fator responsável pelo não investimento em
inclusão e acessibilidade. Somos ainda a minoria por município, não
temos força suficiente para uma mobilização em massa. Porém, ainda somos
poucos porque, sem qualquer estrutura decente, muitas pessoas com
deficiência ainda estão trancafiadas em seus mundos, em suas casas,
dependendo da tutela e da caridade das pessoas. Não, não estou apelando,
afinal basta dar uma voltinha pelos interiores desse País que facilmente
essa dura realidade será constatada. É muito mais fácil promover o
assistencialismo do que oferecer uma calçada decente para transitar, do
que oportunizar a presença dessas pessoas no mercado de trabalho, do que
criar programas de acesso à escola, com atendimento digno, do que
financiar espaços de lazer e programas culturais acessíveis...
Mas se essas condições não são oferecidas, realmente não vislumbro um
mundo possível de ser desbravado por essas pessoas; afinal, para
destrancar a porta e sair desse mundinho pequeno, é preciso que sejam
respeitadas e tenham dignidade, sejam consideradas verdadeiras cidadãs,
não meros objetos apenas para a promoção política.
Existem as raríssimas exceções e até conheço de perto alguns programas
na área da inclusão e acessibilidade que funcionam de verdade. Há
gestores realmente preocupados com essa demanda e, através desse
investimento, passam a colher o resultado efetivo, com uma perspectiva
de continuidade além das tradicionais ações de fachada.
Interessante que quase ninguém considera que o investimento em melhorias
para acessibilidade traga qualidade de vida pra todos os munícipes, pra
toda a sociedade. É inútil pensar que acessibilidade traga apenas
benefício para um determinado segmento, fragmentando a sociedade em
fatias e considerando que o grupo de pessoas com deficiência é apenas
uma minúscula parcela e que, por isso, mereça menor prioridade.
Não se precisa de "dinheiro"; precisa-se de "coragem"!
Não consigo medir se é menos digno ser perseguido por cobrar para que as
coisas aconteçam, ou se é mais digno não ter o mínimo de acessibilidade.
Mas sei que existem crianças cegas esquecidas num canto da sala de aula,
sem sequer material ou livro didático em Braille para acompanhar as
aulas. Existem alunos que recebem seus materiais em Braille no ano
seguinte, quando chegam. Há impressoras em Braille e scanners caríssimos
encaixotados porque não existem suporte nem formação para esses
professores utilizarem os equipamentos. Existem escolas especiais
funcionando como se a segregação e o isolamento com seus pares fossem a
resposta imediata para combater a discriminação desenfreada que se
instalou lá fora. Há a falta de educação do povo oportunista,
estacionando por um minutinho em vagas reservadas, exclusivas para
pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Existem calçadas
intransitáveis, tomadas por buracos, enfeitadas de placas de sinalização
e que servem de estacionamento para bicicletas. Há gestores se
promovendo com o sensacionalismo gerado pelo próprio serviço que fingem
oferecer. E eu ficaria aqui por horas, dias, semanas, meses, anos,
décadas, descrevendo tantas e tantas falhas que encontramos por aí e que
não são tão difíceis assim de solucionar.
E, enquanto muita gente fecha os olhos pra essa barbaridade, quero abrir
os braços e encher o peito para um grito de socorro!!!
Sabemos que o modelo adotado hoje em dia para a Educação Inclusiva não
tem agradado a todos, principalmente ao segmento da pessoa com
deficiência visual. Talvez porque pretenda "moldar" uma maneira de
atendimento padronizada, investindo mais nas falhas oriundas da
deficiência do que a preocupação em oferecer condições específicas
mediante as diversas necessidades de adaptações. Falta formação para os
professores, faltam profissionais cuja ousadia lhes permitam enxergar
mais adiante. Faltam critérios e estrutura para trabalhar e oferecer um
serviço de qualidade. E, enquanto falta tudo, também falta coragem por
parte da pessoa com deficiência e de seus familiares de enfrentarem essa
realidade tão excludente e egoísta. Mas o que não pode faltar é
informação!!! Ninguém peca por excesso de informação, mas corre-se o
risco da alienação caso esse conhecimento não seja compartilhado.
O que mais ameaça o crescimento de ações que possam ganhar a dimensão
inclusiva é a falsa ameaça guardada na cabeça das pessoas. Há aquelas
que se sentem ameaçadas porque pretendem manter as pessoas com
deficiência sob seu domínio e, também, há aquelas cuja ameaça significa
não obter lucro o ou retorno com esse investimento inútil.
Difícil ponderar tantos aspectos, analisá-los racionalmente quando se
está dentro desse meio tão cruel. Eu preciso que o mundo seja mais
acessível e que as pessoas sejam mais sensíveis pela causa da inclusão.
Não posso caminhar sozinha porque o trajeto é longo demais. A inclusão
não pode ser solitária, senão ela corre o risco, novamente, de se
transformar numa defesa pessoal, numa regalia exigida para satisfazer
caprichos particulares ou apenas uma forma de promoção individual.
  As mídias também têm um papel fundamental para desconstruir mitos
sobre pessoas com deficiências e cobrar atitudes inclusivas, pois são
veículos capazes de levar informação para qualquer lugar. Tenho
utilizado esses canais de comunicação para buscar esse objetivo.
Acontece que tenho percebido que esse tema, pelo menos na minha região,
não agrada o suficiente. Acaba virando clichê, pois se fala tanto e tudo
continua na mesma. Voltamos a falar e nada é feito. O discurso
desgastado não ecoa mais com tanta força e até acredito que essa seja a
intenção: ser vencido pelo cansaço.
Ficamos mais fragilizados, não temos quem nos represente e apoie
nossas reivindicações. Vivemos num mundo perfeitinho olhado por quem
está lá fora, cujos interesses superam qualquer tentativa de
transformação. Passamos, então, a ser os vilões daquela história, a
bruxa dos contos de fadas, responsáveis por nossa própria rejeição. Ora,
se não temos motivos suficientes para cobrar ações no campo da
acessibilidade e inclusão, continuamos na invisibilidade e é isso mesmo
que os governos desejam, para que não sejam mais importunados. Afinal,
para eles, queremos sempre muito além daquilo que pretendem oferecer.
  Grande exemplo disso é a precariedade de alguns serviços disponíveis,
que não passam de migalhas para satisfazer uma agenda e um cronograma de
programas pautados na responsabilidade social. São incapazes de dar voz
e vez para aqueles verdadeiramente interessados e sujeitos dessas ações.
Fazem sem ao menos saber quais são as suas reais necessidades, isso
quando fazem...
Chegamos num ponto cujo desgaste do tema "inclusão" é tão intenso que
precisamos lançar mão de outras estratégias para conseguirmos
visibilidade. Alguma sugestão? Os buracos não nos incomodam tanto mais
quanto à indiferença do Poder Público com o segmento da pessoa com
deficiência. E falo em Poder Público desde os gestores municipais, que
são a ponta desse iceberg gigante.
Vamos continuar firmes, porque ainda temos muita história pela frente
até o famoso desfecho do "e ficaram felizes para sempre...".
Eu só espero que, daqui pra frente, meus próximos textos tragam notícias
mais animadoras e construtivas, mas precisava esbravejar um pouco e
praticar o exercício da democracia.
É isso!

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