quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Teclados de computador para cegos: com Braille ou não?

O uso de teclado em Braille para computadores tem sido tema recorrente nos e-mails que chegam na minha caixa de entrada. Esses questionamentos revelam pelo menos duas percepções acerca da cegueira: a preocupação em oferecer ferramentas adaptadas para essas pessoas e o reconhecimento do Sistema do Braille como elemento associado diretamente a falta da visão.
 
Sobre a primeira percepção, adaptar ferramentas para que pessoas cegas possam utilizar um computador, por exemplo, revela também a preocupação em garantir acessibilidade, embora essa acessibilidade se distancie do conceito do desenho universal, porque tem como foco apenas satisfazer a necessidade da pessoa que não enxerga. Nesse caso a ideia é usar um teclado em Braille para os cegos enquanto pessoas que enxergam continuam usando teclados convencionais. São dois produtos diferentes para conseguir um mesmo resultado: a digitação.
 
Já o reconhecimento do sistema Braille como elemento associado diretamente a cegueira, por um lado mostra que é possível desenvolver atividades de escrita e de leitura através do tato, mas também evidencia um estigma sobre a complexidade desse método. Muitos cegos hoje não dominam o Braille por fatores que vão desde a perda visual, aceitação e pouco domínio técnico dos profissionais que lidam com o ensino do Braille em fase inicial de alfabetização ou reabilitação para jovens e adultos.
 
Em outras palavras, um teclado em Braille assume um lugar exclusivo e não de recurso adaptado, porque lida com questões que ultrapassam as barreiras físicas para construir valores e  ideias ligadas ao aspecto sensorial e perceptivo de quem não enxerga. Nesse sentido, particularmente prefiro não utilizar teclados em Braille. Nós que trabalhamos com tecnologia assistiva temos essa preocupação por alguns motivos:
 
1. Como o programa leitor de tela  trabalha com áudio, se as teclas forem etiquetadas em Braille, as duas sensações diferentes  provocam conflitos. Então a pessoa cega precisa ficar atenta ao tato e não desviar a atenção do áudio e vice-versa. a duplicidade de reconhecimento sensorial pode gerar  limitações e lentidão no uso do equipamento porque a pessoa precisa identificar a letra que está debaixo dos dedos enquanto ouve o som dessa mesma letra.
 
2. Quando se aprende a digitar usando os cinco dedos de cada mão, como em aula de datilografia, não é permitido que se olhe no teclado para não desviar a atenção. assim também para o aluno cego que se tatear o teclado seria o mesmo que estar olhando.
 
Em alternativa ao teclado Braille e seguindo o conceito de que um único produto pode ser utilizado em comum entre pessoas cegas e também por quem enxerga, recomendo que, para iniciantes, algumas teclas sejam marcadas apenas para permitir a localização e uma melhor referência. Para isso eu utilizo pedrinhas de straz  auto-colantes. Como todo teclado já possuem marcas nas letras "f" e j", as marcações podem acompanhar essa referência também na fileira de cima e na fileira de baixo, sendo as teclas "r", "u" e as teclas "c", "n". Para as teclas de comando ou funções, recomendo marcar as seguintes: "control", "tabe", "Shift" de ambos os lados. Também o "home" e "end.", "esc.", "f4", "f8", "f11" e "f12",  "insert" e se houver necessidade o número "5". A tecla do espaço já permite a identificação direta do alt. a esquerda e também do alt. GR a direita. Como a tecla referente ao menu iniciar também possui uma marca diferenciada, não há necessidade de marcá-la, a menos que também for lisa como as demais e provocar dificuldade extra. A tecla "enter" também possui um tamanho e um formato diferenciado e, a partir dela, pode-se localizar outras teclas próximas como "BackSpace" e acentos/diacríticos. As setas direcionais geralmente formam uma Cruz de fácil identificação.
 
E assim cada aluno/usuário e cada professor pode desenvolver a técnica mais adequada para buscar referências nas teclas. É importante lembrar que tais marcas precisam ser suprimidas aos poucos e evitadas por um  período prolongado. assim que se conseguir um desempenho satisfatório, descole as pedrinhas e exercite a digitação Às cegas.
 
Espero que com essas dicas eu tenha esclarecido a maioria das dúvidas a respeito do uso de teclados em Braille por pessoas cegas.
 
 

terça-feira, 4 de novembro de 2014

As Placas de sinalização Braille e o Conceito de sustentabilidade

    As Placas de Sinalização Braille e o conceito de sustentabilidade
 
Luciane Molina *
 
A confecção de placas de sinalização Braille usando latinhas de cerveja ou refrigerante surgiu da ideia que tive para aplicar em um projeto que desenvolvo na cidade de Caraguatatuba, através da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e do Idoso.
 
Precisava de um material que fosse durável e, ao mesmo tempo flexível. Também tive que pensar em algo que trouxesse uma sensação agradável ao tato e que permitisse uma saliência suficiente para garantir a leitura precisa entre os cegos.
 
Nós, que trabalhamos com o Braille, quase sempre precisamos criar e adaptar algo, ou seja, empreender, buscando soluções viáveis para atender Às necessidades de um determinado público ou grupo social. Meu olhar para acessibilidade sempre me permitiu questionar a falta dela, mas principalmente encontrar meios para sua efetivação.
 
A sustentabilidade também cabe dentro de um projeto acessível e foi aliando os dois conceitos que experimentei inovar, usando latinhas de alumínio para a produção da sinalização dos ambientes e dos espaços de uso coletivo. Fiz os primeiros testes, descartei alguns modelos e aprimorei outros. foi preciso descobrir como deixar a latinha mais plana possível e encontrar a pressão ideal para obter uma saliência cujos pontos em relevo ficassem bem marcados, porém sem serem furados. Também foi necessário encontrar uma maneira para que as laterais da latinha não ficassem cortantes, fixando-as em uma base para que posteriormente as placas fossem colocadas nas paredes, portas, guichês, balcões, objetos, entre outros.
 
Outro detalhe foi pensar em materiais que pudessem ser utilizados tanto em ambientes internos quanto nas partes externas, padronizando-as conforme um modelo base. E então cheguei num resultado ideal!
 
Primeiro as latinhas coletadas são lavadas e abertas com auxílio de uma tesoura de ponta. Em seguida, são colocadas sobre um pano/feltro, com a parte metálica voltada para baixo e enroladas como um rocambole, no sentido contrário. Esse movimento fará com que elas fiquem mais planas. Também  podemos passá-las com ferro quente numa superfície de madeira, lembrando sempre de colocar um pano em cima.
 
Para escrever as palavras em Braille, uso um instrumento de escrita Braille manual, denominado de reglete. É indispensável que o modelo da  reglete seja de alumínio. Para marcar o relevo uso um punção com a ponta arredondada e menos pontiaguda. A saliência ideal é conseguida com uma média pressão sobre a lata, para que os pontos não ultrapassem e rasguem a folha metálica. A pressão tem que ser constante e com alguns movimentos circulares em torno do mesmo eixo, mantendo o punção encostado na base até sentir que o ponto ficou rebaixado. Não consegui resultado satisfatório com a máquina Perkins, de datilografia Braille, por forçar muito as suas paletas de pressão e quando consegui marcar os pontos, estes ficaram perfurados. quando acontece isso, a leitura se torna desagradável, o relevo fica áspero, segurando o dedo ao deslizar sobre as letras.
 
Depois da escrita pronta, as plaquinhas são recortadas deixando 0,cm de distância nas quatro faces, com relação Às palavras, e são coladas numa base emborrachada EVA. Optamos por uma borda preta para contrastar com o prateado do alumínio (pensando nas pessoas com baixa visão) e evitar que tenham que ser substituídas porque ficaram encardidas pelo constante contato com as mãos e dedos. As placas emborrachadas usadas também são atoalhadas, ou seja, possuem um felpudo que aderem (grudam) naturalmente nas bordas das plaquinhas, envolvendo-as e  evitando que fiquem cortantes.
 
Assim que foram  coladas na placa felpuda  (geralmente com cola de contato), a base preta é recortada deixando também 0,5 cm como moldura. Os quatro cantos/pontas são retiradas mais para um acabamento. As placas prontas são afixadas de acordo com a NBR 9050, distantes cerca de 0,90 m a 1,10 m do chão e sempre na parede próxima a abertura de portas, início e final de corrimãos ou na parte frontal dos guichês e balcões de atendimento. Também podem ser afixadas em prateleiras de bibliotecas, próximo a obras em museus e para nomear objetos em um ambiente. é importante que a legenda das placas de sinalização em Braille acompanhe a mesma sinalização em tinta quanto ao que está escrito em letras comuns.
 
Muito mais do que promover acessibilidade, as placas de sinalização Braille trazem consigo a ideia do reaproveitamento de materiais, dão visibilidade a um grupo que timidamente tem ganhado espaço em participação social, econômica e laboral, além de permitirem que pessoas que enxergam convivam com a escrita Braille minimizando o impacto e o estranhamento delas a uma condição particular das pessoas cegas. Quando o Braille passa a fazer parte da realidade das pessoas, independente de serem cegas ou não, essa forma de leitura e escrita se torna um forte elemento de inclusão e de protagonismo. Esse caminho desperta o entendimento de que o Braille deixou de ser exclusivo para ganhar uma dimensão universal, cabendo dentro das diferentes realidades. A legenda em Braille, através das placas, também contribuem para a alfabetização e a reabilitação de crianças, jovens ou adultos cegos, aqueles que muito resistem ao uso desse sistema porque raramente encontram uma função prática para a sua utilização. Assim o Braille, num conceito sustentável, incorpora valores e práticas hoje pouco difundidas, mas que são essenciais para a cidadania. Foi assim que eu encontrei uma solução de baixo custo e eficiente para tornar nosso entorno mais acessível. Além disso ficam lindas e são muito charmosas!
 
Espero que gostem e que pratiquem a acessibilidade sustentável também!
 
* Luciane Molina é pedagoga e pessoa com deficiência visual. Atua com formação de professores e projetos de acessibilidade no Vale do Paraíba e Litoral Norte de SP. É colunista do Guia Inclusivo desde 2011.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

domingo, 2 de novembro de 2014

Educação Inclusiva é transversal

Uma pergunta que não quer calar: "Enfim, a educação inclusiva cabe dentro do conceito de transversalidade do ensino?!
 
Estudando sobre interdisciplinaridade e transversalidade do ensino, conceitos estes abordados em uma das disciplinas da pós-graduação que estou cursando pela UNIFEI, em tecnologias, Formação de Professores e sociedade, fiquei me questionando sobre o caráter transversal da educação inclusiva e o que tem sido praticado, na maioria dos casos, hoje em dia nas escolas regulares e no sistema de atendimento educacional especializado.
 
A educação inclusiva deve ser efetivada com a prática do respeito à diversidade e da  tolerância, o reconhecimento de valores e o domínio de habilidades necessárias ao convívio e interação social. a educação inclusiva ultrapassa o mero caráter técnico e disciplinar, porque seu sentido supõe que corte transversalmente uma única disciplina, estando dentro de cada uma delas.
 
Embora transversal, ou seja, ultrapassando os limites de cada disciplina, a educação inclusiva não precisa cobrar que todos os professores sejam generalistas, mas que o conhecimento acumulado pelo especialista em cada deficiência possa refletir nessas diversas disciplinas, sem deixar nas mãos desse professor especialista a única tarefa de educar os alunos com deficiência.
 
Isso significa que o conceito da educação inclusiva não pode continuar sendo de domínio exclusivo de uma única disciplina ou responsabilidade de um único técnico. Para que seja, de fato inclusiva, necessita haver uma ruptura do conceito de "complementar" ao ensino regular. O que vemos hoje dentro das escolas, são metodologias focadas em complementar aquilo que o aluno com deficiência não consegue atingir dentro do ensino regular e que, por isso, frequentam salas de recursos no contra-turno. enquanto a ideia tiver como foco central estratégias complementares, estaremos assumindo que a educação regular não dá conta da diversidade, porque aquilo que precisa ser complementado supõe que não está suficientemente bom, nem atendendo ao que se propõe.
 
O caráter transversal da educação inclusiva está justamente no fato do aluno não sentir-se isolado dentro do seu espaço, que ele seja aluno sem adjetivos ou rótulos e que mostre-se capaz de enfrentar os desafios escolares. A transversalidade da educação inclusiva coloca o aluno e o professor  como protagonistas de uma história de sucesso e não apenas o professor especialista como o único responsável pelo desenvolvimento do aluno com deficiência. Muitas vezes o complementar rotula muito mais do que promove autonomia, julga mais a ineficiência do que permite enxergar os alcances e isola mais do que inclui.
 
A transversalidade da educação inclusiva não cria dependência de um serviço que sempre vai complementar a ineficiência do outro, não cria obrigatoriedade com base na deficiência e não segrega em função de uma "incapacidade" aparente, embora não seja função da sala de recursos compensar aquilo que não é possível desenvolver junto com os demais. Ora, não cabe à educação inclusiva nivelar o desenvolvimento de um aluno, moldá-lo mediante uma prontidão análoga ao princípio de que se um aluno tem uma deficiência ele precisa atingir um desenvolvimento equivalente ou igual ao de qualquer aluno, ignorando a diversidade e, por isso, sempre vai existir algo a ser complementado aos olhos de quem não enxerga a tênue linha que ultrapassa toda e qualquer disciplina transversalmente.
 
É isso!