segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Braille e Simbolismo: continuação

Ainda não se trata de uma produção científica, porém, esse ensaio pretende demonstrar a relação entre o Braille e a semiótica, para reforçar o simbolismo na relação entre o ensinar e o aprender, desmitificando que o Braille só tem que ser ensinado pela "decoreba" de pontos.
 
Braille e simbolismo: continuação
 
As evidências que sustentam uma abordagem contemporânea do ensino do Braille no contexto semiótico tem causado descontentamento entre meia dúzia de profissionais tradicionalistas. Esse pensamento semiótico em relação ao sistema Braille é que venho defendendo incansavelmente nas aulas para cegos ou nas formações que ofereço para profissionais que enxergam. A semiótica é a ciência responsável por estudar todos os signos e linguagens e o sistema Braille consiste na leitura tátil e na escrita em relevo que possibilita a comunicação entre as pessoas. E se essa prática adotada por mim tem gerado inúmeras revoltas, por conhecidos e desconhecidos, cabe a mim continuar defendendo, com sustentação teórico-prática de que forma o sistema Braille está inserido no campo da semiótica para esclarecer pra todos eles os equívocos de um ensino mecânico por decoreba de pontos aleatórios.
 
Em primeiro lugar, é impossível transmitir uma mensagem sem que haja uma linguagem, um destinatário e um  remetente. Se um ou mais dos interlocutores for cego o código utilizado será o sistema Braille e a comunicação estabelecida como um ato intencional para esse grupo específico. Somos, por natureza, seres simbólicos, de linguagem e comunicação. Qualquer que seja a forma utilizada para estabelecer essa comunicação, depende de um conjunto de símbolos que exprimem ideias por meio de  regras e combinações de elementos visuais, gestuais ou táteis.
 
Das pinturas rupestres a oralidade, foi somente com o surgimento da comunicação escrita que a sociedade passou a evoluir mais rapidamente, acompanhando as necessidades dos homens. Hoje essa evolução é vivenciada pela comunicação instantânea através da internet e do uso das novas tecnologias.
 
Entretanto, o objetivo aqui é falar sobre Braille e sua representação semiótica. Começo investigar o que Lemos et al. dizem acerca da compreensão dos pontos em relevo pelo tato. "Os pontos em relevo permitem a compreensão instantânea das letras como um todo, uma função indispensável ao processo da leitura" (Lemos et al. 1999,p. 14). É evidente que o sistema Braille, sendo um código estruturado e organizado em sinais representativos, é também objeto de estudo da semiótica. Em outras palavras o sistema Braille representa alguma coisa para alguém e, portanto, constitui-se como um signo. 
 
signo é toda coisa que substitui outra e se torna representativa para alguém. O signo não é o objeto; ele apenas ocupa o lugar do objeto com capacidade de produzir efeito na mente das pessoas e esse efeito é um processo natural e individual, porque o cérebro vai montá-los automaticamente.
 
Já explorei bastante essa definição em meus textos, porém, não custa revisitar o conceito sobre as combinações que compõem a escrita Braille. Cada sinal Braille possui um formato que tem origem por meio de uma combinação lógica e simétrica entre seis pontos. Cada um desses sinais, que pode representar letras do alfabeto, numerais, sinais de pontuação e tantas outras representações, tem origem por pontos que se arranjam e são enumerados de 1 a 6. Cada ponto ocupa seu espaço e uma posição. Trabalhamos aí, além do conceito espacial e numérico, também as  noções de lateralidade. Também venho afirmando que é preciso trabalhar com materiais diversos, que reforcem o aprendizado das letras por meio de figuras circulares, em diversas escalas ampliadas, para a apropriação de cada letra e  para a compreensão dos pontos que as compõe.
 
É preciso, inicialmente, conhecer o local de cada ponto para formar o símbolo/letra. Nessa etapa, porém, deve-se compreender que posição numérica ocupa, verificando as posições 1, 2, 3, 4, 5 e 6. É apenas aqui, num momento  inicial de aprendizagem, que se ensina decodificar, entretanto sem forçar a decoreba mecânica e desconectada da leitura. Ensina-se quais  pontos formam um determinado sinal.
 
Quando o aprendizado do sistema Braille  passa a ser sustentado através de materiais em menor escala, permitindo uma maior apropriação tátil para o treino da leitura, essa decodificação é substituída pelo que denomino de "simbolismo". Isso deixa claro que, além da imagem visual,  existe também uma imagem mental de cada letra Braille, porque ela passa a ser também uma imagem tátil. Por exemplo, é comum associar os formatos das letras em Braille a figuras geométricas como quadrados, círculos e retângulos, além da busca em repertórios imagéticos particulares por alguma imagem. Esse objeto que passa a representar um sinal em relevo é chamado de signo Braille.
 
Neste caso os formatos Braille descobertos ao acaso quando olhamos ou tateamos um texto sugerem diferentes relações de semelhança comparativa entre o Braille e alguma imagem/objeto. Reafirmo que o ensino do Braille deve estar pautado no simbolismo pela associação a imagens, a figuras e a objetos, sejam eles conhecidos pela visão ou percebidos pelas mãos. E assim enxergamos setas, retas, animais, cadeiras, cruzamentos, ângulos, trevo de quatro folhas, carrinhos, orelha, etc..
 
Referência:
LEMOS, Edson Ribeiro; CERQUEIRA, Jonir. O sistema Braille no Brasil. Revista Brasileira para Cegos. Rio de Janeiro: Benjamin Constante, 1999.
LEMOS, Edson Ribeiro et al. Louis Braille: sua vida e seu sistema. 2 ed. São Paulo: Fundação Dorina Nowill para Cegos, 1999.
 
Luciane Molina 
 
 
    
 
 
 

sábado, 9 de agosto de 2014

Dia Nacional da Equoterapia é comemorado em Caraguatatuba

Para comemorar o dia nacional da equoterapia,  profissionais da  Associação de Apoio ao Desenvolvimento Humano (ACALENTO) estiveram, nessa sexta-feira (08),  demonstrando os trabalhos na Praça Cândido Mota, em Caraguatatuba.
 
As demonstrações contaram com a presença dos profissionais e terapeutas  da instituição que conduziram atividades no cavalo  com  os pacientes atendidos e visitantes, a fim de divulgar os benefícios desse tratamento.  A Equoterapia é um método terapêutico que utiliza o cavalo numa abordagem interdisciplinar, envolvendo educação, saúde e equitação. Destina-se a pessoas com deficiência, buscando melhorias nos aspectos físico, psicológico, emocional, cognitivo, biopsicossocial, entre outros.
 
De acordo com a fisioterapeuta e coordenadora da ACALENTO, Daniela Nunes Marazzi, são atendidos cerca de 130 pacientes todos os meses, entre conveniados com município, filantropia e particulares. "cada atendimento dura por volta de 40 minutos, sendo 30 deles em cima do cavalo para desenvolvimento de atividades específicas para cada caso".
 
O dia nacional da Equoterapia é comemorado em 9 de agosto, data instituída pela LEI Nº 12.067, DE 29 DE OUTUBRO DE 2009.
 
A Associação de Apoio ao Desenvolvimento Humano (ACALENTO) é uma instituição sem fins lucrativos. Está localizada na  Avenida Miramar, no 6980 – Porto Novo, Caraguatatuba - SP. Fone: (12) 3887-9043.
 
Minha experiência:
Quem me conhece de longa data sabe do "pavor" que tenho de chegar perto de um cavalo e, aliás, sempre evitei esse momento. Durante o curso de Braille que ministrei em Caraguatatuba recebi como alunas algumas terapeutas e profissionais da ACALENTO,instituição que trabalha com a Equoterapia aqui. elas  me desafiavam a visitar os trabalhos que desenvolviam. Fugi, incansavelmente, não por desacreditar nos benefícios dessa terapia, mas por receio em chegar perto do animal. Até que hoje, passeando pelo centro de Caraguatatuba, dei de encontro com uma demonstração de equoterapia na praça Cândido Mota. Fui abordada por três ex-alunas e queridas amigas, duas delas ainda trabalham na ACALENTO. A apresentação em praça pública tinha como objetivo comemorar o dia da equoterapia e divulgar os trabalhos dessa instituição. Dessa vez não deu pra fugir e, de repente, lá estava eu apreensiva e atenta a cada detalhe. Conheci o animal pelas mãos, desde cabeça, narinas, orelhas, crina, patas, casco, rabo, corpo e equipamentos como sela, freio, rédea e estribo. Ajudada pelos instrutores e terapeutas subi no cavalo e fui conduzida pelas atividades e instruções fornecidas. Foi uma das experiências mais diferentes que vivi ao sentir o movimento do animal que me conduzia a passos lentos e firmes. Meu corpo ainda tenso pelo medo, aos poucos foi se soltando e o receio pela queda desaparecendo. No final ainda, com ajuda, alimentei o cavalo e despedi-me com a sensação de leveza diante daquela nova percepção descoberta e guiada pelas mãos daqueles profissionais tão dedicados, pacienciosos e atentos. Em tempo, o cavalo que montei se chama Ferrari e é utilizado com pacientes da ACALENTO.
 
 
 

Alunos e professores dividem as salas de aula para aprender libras e braile em Tremembé

Alunos e professores dividem as salas de aula para aprender libras e braile em Tremembé
 
O link abaixo é da matéria veiculada no Link Vanguarda, dia 05 de agosto. A reportagem mostra os trabalhos feitos em Tremembé e teve a minha participação pela Rede Vanguarda, retransmissora da Rede Globo no Vale do Paraíba.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

sábado, 2 de agosto de 2014

Reflexão sobre a Gravação com a TV Vanguarda

REFLEXÃO SOBRE A GRAVAÇÃO COM A TV VANGUARDA

Minha preocupação em comunicar e informar a sociedade sobre como incluir as pessoas com deficiência nas atividades comuns tem sido recorrente durante meus quase quatorze anos de profissão. Escolhi o magistério como forma de tentar reconstruir um cenário educacional devastado pela ausência de professores habilitados ou entusiasmados o suficiente para não deixarem os alunos com deficiência visual solitários em meio a multidão.

A inclusão não é um processo isolado e o conhecimento é a chave para o sucesso de qualquer ação que visa transformar incapacidades, enxergando as potencialidades de cada pessoa com ou sem deficiência. É fato que recursos e ferramentas, sobretudo a presença da tecnologia, trouxe novas perspectivas de aprendizagem e interação. Entretanto, muitos ainda desconhecem o básico sobre o universo que sustenta uma sociedade inclusiva.

É recorrente que a mídia, seja impressa ou falada, insista numa imagem "desfocada" da pessoa com deficiência visual. A tendência em perpetuar o sentimento do 'coitadismo" vem estampada em matérias com histórias de superação, marcadas pela dependência, pela incapacidade, pela pobreza e pelo sofrimento. E são essas as características que a maioria das pessoas associa Às deficiências, junto com ideias de caridade e de heroísmo atribuídos à pessoas comuns, apesar da ausência da visão.

As pautas surgem com tanta superficialidade que, na grande maioria, jornalistas empobrecem suas matérias porque temas desse gênero levam tempo para serem compreendidos e despertam pouco interesse para uma investigação mais aprofundada. Preservam a quantidade em detrimento da qualidade e assim a informação é transmitida sem qualquer suporte ou consultoria.

Fascinada pelo alcance da informação, como pedagoga eu também procuro ser uma comunicadora sobre inclusão. Pude experimentar, nessa semana, uma situação considerada inédita para mim. Fui entrevistada e participei da gravação de uma matéria para a tevê, na emissora que, talvez, seja considerada a mais poderosa do país. e quem não deseja ser global e entrar na casa das pessoas para levar um conhecimento desconhecido para muitos? Mesmo que seja em uma retransmissora regional, essa é, de longe, uma das maiores conquistas do segmento da pessoa com deficiência.

A matéria ainda não foi ao ar, entretanto o tema abordado foi o da capacitação de professores para atuarem com alunos cegos, num dos cursos que ministro no Vale do paraíba. Repórter e cinegrafista abriram a porta e o silêncio se fez presente apesar da câmera ainda desligada. Acredito que todos ali estávamos apreensivos. E eu lá, uma professora cega em meio a duas dezenas de professores videntes. Sempre digo que o processo inclusivo é construído numa via de mão dupla e, naquele momento o cenário era a inclusão dentro da própria inclusão.

Como faço questão de relatar por onde passo, são raros os momentos em que eu percebo não enxergar de verdade. Tudo ao meu redor acontece de uma forma tão natural e a ausência da visão não me atrapalha em quase nada do que faço. Ou pelo menos não percebo essa distância entre o ver e o não ver e, por isso, o impacto maior vem manifestado pelas pessoas que enxergam e que entram em contato com a minha realidade, uma realidade também de cerca de 6,5 milhões de pessoas no Brasil, segundo o censo IBGE 2010.

Não gosto de ensaio nem de tentar adivinhar as perguntas, formulando respostas imaginárias. Olhar em direção à câmera também não é um tabu. Falar nunca foi problema, aliás, falo demais da conta. Então o cenário estava pronto com a aula que transcorria normalmente. De repente me vi diante de um repórter e um cinegrafista interessadíssimos, que por mais que desconhecessem o tema da aula, que se tratava de matemática e soroban, mostravam-se tão naturais diante daquele ambiente repleto de intenções e práticas inclusivas. Nem mesmo as folhas em Braille foram motivo de estranhamento. Minha locomoção pela sala jamais foi vista como ato heroico e seu espanto ao me ver utilizando um celular foi engraçado, não como uma forma de superação apesar da deficiência, mas pela novidade que a tecnologia é capaz de proporcionar. Tudo isso acompanhado por um cinegrafista igualmente interessado e participativo.

Ministrei a aula, orientei alunos, concedi entrevista, assisti à gravação e conversamos, "falamos em Off. De repente me dei conta de quão interessante eram suas colocações sobre a deficiência, seu olhar e sua postura inclusiva. Perguntas construídas inteligentemente e a ideia de que não adianta colocar um aluno dentro da sala de aula se não oferecer-lhe ferramentas para seu aprendizado. O solitário na multidão me fez compreender que por trás daquela pauta havia um estudo, uma pesquisa ou, apenas a sensibilidade de um ser humano capaz de compreender a riqueza da diversidade, a importância da inclusão para uma sociedade que ainda engatinha, apesar dos passos tímidos e isolados. Um repórter que não ficou excluído daquele ambiente inclusivo porque soube adentrar num universo tão diferente e, ao mesmo tempo tão semelhante aos que convivo diariamente.

Ele conversou com as cursistas, que também me surpreenderam com as respostas tão coerentes com aquilo que tentei transmitir nesse um ano e meio de convivência. Acho que fui eu quem aprendeu muito mais sobre a arte da comunicação naqueles minutos de gravações. Senti-me aliviada ao ouvir em alto e bom som o termo "pessoa com deficiência". Confesso que estava apreensiva por um "portador de deficiência" ou "pessoas especiais". Fui saber que havia uma pesquisa por trás. E enquanto aguardo pela exibição da matéria, fico imaginando como o preconceito e a exclusão podem ser combatidos com atitudes tão leves e simples, comunicadas e levadas para dentro da casa das pessoas, para que a sociedade possa compreender o verdadeiro valor do respeito, da convivência e da cidadania.

Sou grata por momentos tão especiais. Sou grata por pessoas tão especiais cruzarem meu caminho para abrir caminho para tantas outras pessoas compreenderem a beleza e a singularidade da vida!

Obrigada ao Bruno e ao Cadu por tamanha sensibilidade e pela grandiosa aula!!