Apesar de não enxergarem, pessoas cegas desenvolvem esquemas perceptivos para interagirem com o mundo a sua volta. É através do tato que conseguem ler palavras e sentenças escritas no Sistema Braille, uma escrita em relevo criada através da combinação de 6 pontos dentro de um espaço retangular. Cada letra do sistema Braille ocupa um espaço aproximado de 3 mm de altura por 2 mm de largura, que cabe exatamente na pontinha do dedo. A leitura é feita mediante leve pressão, com movimentos circulares no papel. A estimulação sensorial é uma das fases mais importantes ao iniciar o processo de alfabetização Braille, pois essa forma de escrita requer um bom domínio motor, cognitivo e tátil. Aprender Braille não é tarefa difícil, entretanto um dos fatores que dificulta o aprendizado está na maneira como se ensina ler e escrever sem contar com as pistas simbólicas visuais.
O professor que ensina Braille para um aluno cego precisa compreender que, mesmo sem pistas visuais, o simbolismo ocorre. a pessoa cega utiliza os outros sentidos para atribuir significado aos objetos, lugares e pessoas que fazem parte do seu cotidiano. São capazes de criarem imagens mentais através das descrições que ouvem, das formas e texturas que sentem, dos aromas que percebem ou dos sons do ambiente. Assim, cada pessoa possui um repertório de imagens, seja porque já enxergou em algum momento da vida, seja porque criou através da associação simbólica pelos sentidos. Esse repertório jamais pode ser ignorado.
Entretanto, tenho percebido, com muita frequência, que os esquemas simbólicos estão sendo ignorados por muitos professores que ensinam Braille. Alunos cegos tem se afastado desse aprendizado porque acabam não conseguindo desempenho para a leitura e, quando muito, conseguem escrever algumas poucas palavras. Assim que o vício do aprendizado sem sustentação simbólica é instalado, pouco se consegue fazer para reverter a situação, senão começar do zero.
Apenas para esclarecer, os seis pontos que quando combinados formam as letras, são enumerados e ocupam um espaço dentro do retângulo, milimetricamente distribuídos. Do lado esquerdo temos os pontos 1, 2 e 3, numa coluna vertical. Do lado direito, também na vertical, temos os pontos 4, 5 e 6. Embora esse retângulo, denominado "cela" Braille seja enumerado, o aprendizado do alfabeto não pode ser sustentado pela decoreba dos pontos. É isso que tem acontecido e que é de uma gravidade tremenda: o ensino do Braille tem ocorrido por decodificação, em que cada aluno é quase forçado a decorar quais os pontos que formam uma letra, como acontecia com as tabuadas.
Quando se lê, não lê-se pontos soltos, mas pontos combinados entre si, e que para o tato, forma um desenho, uma imagem, ou seja, são simbólicos. Quem lê Braille recorre ao seu repertório próprio de imagens para atribuir um significado, associar aquela forma a uma figura já conhecida pela memória. Quando se lê um arranjo de 3 pontos na vertical, do lado esquerdo, não lê-se pontos 1, 2 e 3, mas lê-se um formato. Portanto, a pontinha dos dedos passa, simultaneamente, pelo arranjo completo dos pontos, devolvendo a resposta como sendo a letra "l".
Saber a posição que cada ponto ocupa dentro da "cela" Braille é necessário, entretanto, partir da "decoreba" dos pontos para conseguir uma leitura precisa é, no mínimo, prática de professores amadores. Lemos desenhos, lemos imagens, lemos formas, aquelas que o tato interpreta e simboliza, que a mente associa e atribui um significado. Não lemos pontos decorados e isolados, não aprendemos assim ou corremos o risco de um aprendizado sem qualquer sustentação.
Luciane Molina