domingo, 26 de outubro de 2014

Experiência ao votar no segundo turno

Acabo de chegar; fui exercer minha cidadania. E antes que alguém diga que já avançamos efetivamente quanto ao direito de votar pelas pessoas cegas, digo que a história só pode ser construída em movimento. se ficarmos estagnados diante de uma mudança mais ou menos, jamais vamos mostrar que a diversidade é um dos pilares da democracia.
 
Antes de sair de casa, passei a mão no fone de ouvido que estava usando no meu computador naquele momento. Coloquei-o na bolsa, embora eu já estivesse decidida não utilizá-lo durante a votação. Para quem desconhece, as urnas eletrônicas -- todas elas -- possuem um recurso de acessibilidade para que cegos ouçam o número que digitou e não corra o risco de invalidar seu voto por qualquer falha ao pressionar as teclas. Quero também deixar claro que, embora eu perceba esse recurso insuficiente, porque apenas repete  em voz o número digitado, sem falar o nome do candidato conforme legenda que aparece no display, sirva  de apoio para que nosso voto não seja totalmente no escuro.
 
Comecei a votar já na era das urnas eletrônicas e nunca utilizei o recurso de acessibilidade por áudio. Não porque não quisesse, mas porque nunca fora ativado em minha sessão, embora eu sempre fizesse questão de solicitar ao mesário. Antes, porém, nós escutávamos um "bip" -- som característico -- cada vez que pressionávamos uma tecla e aí tínhamos a certeza de que o número havia sido registrado. Em certa eleição, uma das teclas da urna em que votei estava agarrada. Tive que apertar com força o botão até que ele emitiu o "bip" e respirei aliviada. Se não fosse o barulhinho emitido, até hoje eu não saberia se realmente havia ajudado eleger meu candidato. Hoje esse som característico não mais existe nas urnas.
 
Falaremos do teclado em Braille mais adiante.
 
Dessa vez não foi muito diferente quanto à acessibilidade. Cheguei até a sala de votação e logo fui reconhecida por um  mesário, que notou minha ausência no primeiro turno. Eu havia justificado por estar em serviço numa outra cidade. Ora, se ele havia se lembrado de mim, certamente deva saber que eu sou cega e que tantas outras vezes já havia questionado com ele sobre o recurso de áudio disponível para nós. Ainda não estava disposta a sacar meu fone da bolsa e pedir que plugasse no equipamento, até porque não julgava tão necessário assim.
 
Perguntei para esse mesário, por curiosidade, se caso eu desejasse eu poderia votar com áudio?  E lá veio a resposta dele, sem titubear. "Para a próxima eleição você pode solicitar a sua transferência para uma sessão especial e lá poderá ter o recurso que deseja".
 
Ouvir a palavra "especial" me dá um arrepio tão grande, tão grande, que me senti com cara de pastel.  Automaticamente, abri minha bolsa e tirei de lá meu fone de ouvido, explicando, ao mesmo tempo, que:
 
1. Todas as urnas possuem o recurso de acessibilidade por áudio;
2. Que eu posso votar nessa mesma sessão, pois não preciso de um lugar especial, exclusivo, longe do convívio comum;
3. que eu queria sim testar a acessibilidade da urna, até para poder opinar sobre a sua eficiência ou não.
 
Agora foi ele quem ficou com a cara de pastel, mas insistiu na premissa que eu poderia votar utilizando-me do Braille que acompanha a marcação das teclas da urna eletrônica.
 
Ser uma defensora ferrenha do Braille para o processo de alfabetização da pessoa cega, não me coloca no direito de elevá-lo ao patamar máximo da acessibilidade. Muito embora saibamos que as marcações em Braille nas teclas ajudam muitos cegos a orientarem-se no momento da votação, não serve para todos, além de ser dispensável para alguns. As teclas da urna são dispostas conforme as de um teclado de telefone e até aí não fica dúvida sobre a localização dos números. Também é comum encontrarmos cegos que não sabem ou não dominam a leitura Braille, por diferentes motivos que não cabem citá-los aqui.
 
Eu não tenho problema algum em votar utilizando-me das marcações em Braille e dispensaria, com segurança, os fones de ouvido, não fosse a falta de informação dos mesários. Também dispensaria o Braille, mas seria contraditório tentar medir todos com a mesma régua. Os diferentes recursos existem justamente para contemplar necessidades diversas e  numa frustrada tentativa de apregoar o conceito do desenho universal, esquece-se de que a incorporação desse conceito na vida prática das pessoas passsa, sobretudo, pela informação. Não basta que o recurso esteja ali, se não há quem possa ativá-lo.
 
Assinei a lista de presença e dirigi-me à cabine de votação. Então, onde plugar meus fones?
 
"Tateei" a urna inteirinha até que achei o bendito "buraco", também desconhecido pelo mesário. Mostrei a ele e dei meu fone para ele plugar. apertei os dois botões para os dígitos do meu candidato e não ouvi nenhum "bip". Realmente o som das teclas havia sido eliminado das urnas, uma característica talvez muito mais válida do que o áudio que sai nos fones. Meu fone também continuou mudo; som algum foi emitido, nem pelas teclas, nem pelos fones. Antes de confirmar, solicitei para que meu "olho amigo", também conhecido como MÃE, verificasse se estava tudo certo e, mediante sua audiodescrição da tela apertei, com orgulho o botão "confirma".
 
Sensação muito boa de contribuir para a democracia. Tristeza por constatar a falta de informação dos mesários da minha sessão com relação a acessibilidade para pessoas cegas.
 
Já na sessão ao lado, enquanto minha mãe votava, perguntei aos mesários sobre a acessibilidade. diferentemente da minha, lá até a fiscal sabia como proceder. Falei sobre o código que deveriam digitar antes do número do título de eleitor e eles confirmaram com satisfação que o cego que votar naquela sessão terá seu direito respeitado e poderá fazer uso do Braille e também do áudio nos fones de ouvido, se preferir. Pareciam estar muito bem familiarizado com o assunto.
 
Aí tive a certeza que ainda falta informação para que a inclusão aconteça de verdade.
 
 
Confira também como foi minha experiência no primeiro turno:
 
Alguém já parou pra pensar que o eleitor cego ou com baixa visão que precise justificar o voto não tem disponível um formulário acessível e "obrigatoriamente" terá que exercer sua cidadania mediante os olhos e as mãos  de alguém?
 
Foi somente a partir de 2012 que uma resolução do TSE permitiu que pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida PUDESSEM levar consigo um acompanhante, mas não os obriga a ter que votar somente na presença desse acompanhante.
 
Aí fui pegar meu formulário de justificativa, que pra mim não passou de um pedaço de papel liso, e comentei que pessoas cegas não estavam tendo acessibilidade. A menina então disse: "Só para votar que você tem". Mas política não passa de jogo de interesses... se eu dou meu voto eu recebo acessibilidade, se eu preciso justificar, que se dane o eleitor cego!
 
Então é contraditório ter acessibilidade apenas na hora da votação e não ter acessibilidade no momento da justificativa. Ou será que o exercício da cidadania é direito apenas do eleitor que vai dar seu voto para um candidato ou partido? A acessibilidade é partidária ou direito previsto na Constituição e reforçado pela Convenção da oNU e pelas dezenas de outros decretos e leis pela inclusão e acessibilidade  produzidas por esse mesmo país que exclui seus eleitores?
 
Pensei também naquele eleitor surdo que não tem a língua portuguesa como sua primeira língua, no idoso, no analfabeto... Tudo bem que nós temos um dos sistemas mais avançados de votação do mundo, mas mesmo assim muita gente fica de fora, muitos dos direitos produzidos pela democracia não são de fato cumpridos, então porque produzí-los? Quantidade está longe de representar qualidade!
 
32. Como proceder com o eleitor deficiente visual?
 
O eleitor com deficiência visual poderá utilizar para o exercício do voto:
— sistema de áudio, disponível em todas as urnas, com fones de ouvidos instalados nas seções especiais ou, se inscrito em uma seção comum, com seu próprio fone;
— marca de identificação numérica em braille com indicação da tecla número 5 da urna;
 
— alfabeto comum ou alfabeto do sistema braille, para assinalar o caderno de votação ou as cédulas, se for o caso;
— qualquer instrumento mecânico que portar ou lhe for fornecido pela mesa receptora de votos.
Além disso, os eleitores com deficiência visual podem contar com auxílio de pessoa de sua confiança (veja a resposta à questão 9).
 
9. Durante a votação, eleitores idosos, analfabetos ou pessoas com deficiência podem levar acompanhantes que os ajudem a votar?
 
Conforme a Resolução-TSE nº 23.372/2012, art. 56, §§ 1º e 2º, apenas os eleitores com deficiência ou mobilidade reduzida podem contar com auxílio de pessoa de sua confiança, ainda que não tenha requerido antecipadamente ao juiz eleitoral.
 
PS: Não que eu seja encrenqueira, mas a pessoa com deficiência precisa assumir seu papel de protagonismo, de cidadão, porque a sociedade não quer se ver refletida nesse espelho da desigualdade.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

sábado, 25 de outubro de 2014

O Meu Muito Obrigada a uma Turma Tão Especial!

SUCESSO é a palavra que melhor define esse sábado. Durante seis meses estivemos juntos para mais uma maratona de estudos. Colocamos o cérebro numa intensiva ginástica a fim de compreender todos aqueles novos conceitos acerca da matemática. Mas não foi uma matemática qualquer!

Logo no primeiro dia de aula fiz questão de reforçar que o aprendizado do soroban envolvia construções conceituais que tem como base o concreto. No soroban eu não escrevo um símbolo para representar uma quantidade; eu escrevo a própria quantidade. Entender esse elemento concreto e desconstruir o signo numérico faz parte da complexidade do processo. Trabalhar o movimento de dedos, as regras dos complementares e as operações foram descobertas mágicas e, ao mesmo tempo, muito divertidas.

Nas aulas, era comum que a concentração desse lugar para o riso; que as dificuldades fossem superadas com uma doze de otimismo; que a cada nova fórmula descoberta fosse comemorada com vontade de ir muito mais além.

Nossos encontros foram leves, apesar da seriedade que o assunto merecesse. Pagamos muitos "micos", incluindo eu, a professora, afinal, que graça teria se tudo fosse tão certinho, dentro de um rigor que de nada representa a personalidade desse grupo. Eu não sou a mesma de quando começamos e tenho certeza que vocês também não são. convivemos, interagimos e aprendemos a ser melhores com as diferenças dos outros, respeitando aquilo que cada um ofereceu. Aprendemos muito mais do que cálculos, aprendemos o significado de amor. fizemos tudo com muito amor!

Vocês levaram os estudos muito à sério, muito mais além do que eu esperei. Estudamos soroban sem dizer "chega" e cumprimos o cronograma antes do final. Afinal, a verdade é que pra gente não existe um final!

Faço questão de dizer o que já disse pessoalmente pra vocês. Receber o diploma não significa que terminamos, mas sim que devemos continuar. Demos um upgrade no Braille e constatamos que é possível criar estratégias para ampliar e fortalecer a educação inclusiva, seja através da escrita e leitura, seja através da matemática.

Somamos esforços; subtraímos dificuldades; multiplicamos conhecimento e dividimos experiências. Dentro do que era possível, ultrapassamos cada limite para provar que vocês fazem a diferença por onde passam.

Das tarefas para serem realizadas em casa, vocês fizeram grandes encontros e grupos de estudo. Essa fórmula deu muito certo porque vocês aproveitaram cada desafio transformando-o
s em possibilidades. Treinaram constantemente e não deixaram lacunas vazias. Espremeram o tempo, sem que a desculpa do cansaço lhes diminuísse a coragem para buscarem o sucesso. E por isso, ganharam até três novos aprendizados que couberam dentro do nosso cronograma cumprido com muito orgulho e dedicação.

Nossos encontros escreveram um capítulo da minha história, embora meu caderno não seja tãããão bem anotado quanto o da Vanessa. Afinal Vanessa, como você anotou tudo, tem como contar pra gente quantas vezes eu respirei aliviada depois de uma conta bem realizada? E a Claudinha, sempre comportada, mas que nem piscava pra não perder nenhum movimento de contas? às vezes se chacoalhava na cadeira de tanto rir dos "micos" alheios. A Elaine, bem digo que será minha sucessora, com muito prazer, porque ela enxerga bem lá longe. A Cida, que mesmo com a intensiva campanha não criou uma conta no facebook, mas estudou direitinho. André, o nosso "Clássico", que apesar do livrinho de tabuada, conseguia virar o soroban ao contrário... deixei a Dora por último, porque eu estava tentando olhar bem dentro dos olhos dela para decifrar as incógnitas que permeavam seu pensamento. As caras e bocas que ela fazia, até eu conseguia enxergar. Ela quase tinha uma parada respiratória, cada vez que arregalava os olhos, torcia levemente o pescoço pro lado e levantava uma das sobrancelhas com a boca quase aberta de surpresa!

A saudade já toma conta dos nossos sábados, embora o boneco do Papai Noel que ganhei de presente  os represente aqui na minha sala vazia. Espero que nossos sábados sejam preenchidos muito em breve com a presença de vocês novamente por aqui. Agradeço, do fundo do coração, por vocês terem a coragem suficiente para mudar o mundo!

Um abraço apertado a cada um e parabéns por mais essa etapa!

Amo vocês!

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Reportagem Jornal O Vale

Professora traduz Ziraldo para Braille.
 
Katia carvalho, 35 anos (a dir na foto).
 
Professora de Caraguá Traduziu um livro de Ziraldo para a Linguagem Braille
 
A obra "Um bebê em forma de gente", de 1996, também teve o texto ampliado para crianças com baixa visão. Katia deu ainda relevo às figuras do livro, usando diversos materiais, para que os leitores pudessem "sentir" as imagens. O trabalho levou mais de um mês e nasceu depois que Katia fez um curso com Luciane Molina (à esq. na foto), de Guará, que não enxerga e dá cursos de braille para professores. "Tenho alunos especiais e fiz o livro para que as crianças conhecessem a história", disse Katia. A obra será apresentada na 3ª Feira Literária de Caraguá, de 4 a 7 de novembro, que homenageará ziraldo.
 
Jornal O Vale de 15 de outubro de 2014. Versão impressa.
 
Este álbum possui 4 fotos e estará disponível no OneDrive até 13/01/2015.