LEIAM ATÉ O FIM. MEU DESABAFO SOBRE UMA SITUAÇÃO DE "EXCLUSÃO" QUE
VIVI HOJE DURANTE O PROCESSO SELETIVO DE PROFESSORES DO ESTADO DE SP.
Enquanto o Brasil se esforça pra "pregar" ideologias "baratas" de
inclusão das pessoas com deficiência em todos os espaços, nós, com
deficiência visual, ainda hoje continuamos a viver num "estado" de
direito sem leis e com muitas barreiras impostas por aqueles que,
diante de sua soberania, fingem praticar a mais nobre das atividades:
a solidariedade e o respeito com as diferenças.
Chego indignada, quase que revoltada, com o que acabo de vivenciar no
Processo Seletivo para Atribuição de classes e aulas 2014 da
Secretaria de Estado da Educação, cuja prova foi organizada e aplicada
pela FUNDAÇÃO VUNESP. Conheço muito bem a política dessa empresa,
tanto porque em ocasiões anteriores já cheguei a solicitar provas em
Braille que não vieram e tiveram que designar "qualquer" pessoa para
assumir a função de ledor, sem qualquer preparo. Pois bem... Diante
desses conflitos constantes, passei então a solicitar provas com
auxílio de ledores, que são pessoas designadas especialmente para
assumir a função de ler a provA EM VOZ ALTA e, ainda sem que se tenha
o preparo suficiente, pelo menos são avisadas e informadas que
assumirão essa função durante a aplicação do concurso público. E foi
justamente essa a solicitação que fiz para a FUNDAÇÃO VUNESP ao me
inscrever nesse proCesso seletivo. Cumpri todas as exigências que
cabiam a mim, inclusive de entregar, na data determinada, um laudo
médico contendo o CID da minha deficiência. Ora, se pedem tal
documento, deveriam pelo menos saber interpretá-lo corretamente, já
que sou cega e isso está descrito no laudo/atestado médico, ou será
que pensam que eu estou brincando de não querer enxergar? Se bem que,
nesse caso era bom mesmo nem ver certos acontecimentos...
Estudei para a prova, me preparei como qualquer candidato, mesmo tendo
que fazer um esforço quase que sobrenatural para conseguir as obras da
bibliografia básica disponíveis em formato acessível. Tenham a certeza
que estudar para um concurso público não é tão símples assim, pois
além de ler, entender, anotar e compreender todos aqueles conceitos e
conteúdos, temos que antes disso adaptar as obras para nossa
necessidade, tais como digitalizá-lass, corrigí-las ou solicitá-las em
alguma instituição que forneça livro falado ou livro em Braille e isso
demanda tempo e desgaste físico e mental. Afinal já deve ser do
conhecimento da maioria das pessoas, que não temos a disponibilidade
de entrar numa livraria e adiquirir um livro no formato acessível para
nós, como qualquer pessoa faria em condições normais.
Feliz de que toda a etapa pré-avaliativa tinha sido superada e de
posse de todo conhecimento necessário para participar desse processo
seletivo, entrei enfim para responder as 80 questões que me eram
designadas, numa folha completamente lisa para mim, porém que tomaria
seu formato e seu significado através dos olhos daquela que foi
designada minha "ledora" para esse momento. Chego na sala e fui muito
bem recebida pela ledora, a mesma do ano anterior, que relatou ter
escolhido essa função porque gostou bastante de ter podido contribuir
com o seu trabalho. Senti que ela estava bastante feliz ali, nessa
função tão necessária para nós, e eu também estava contente pela
alegria dela, pois ela faria o possível para que a prova transcorresse
bem.
Cabe destacar que a minha formação é em pedagogia e em deficiência
visual, mesma disciplina que escolhi atuar e, portanto, minha prova
versava sobre questões gerais da educação no Estado de São Paulo,
legislação geral e específica na área da inclusão e parte específica
relacionada à deficiência visual. A parte específica, ao meu ver, é a
única parte capaz de avaliar os conhecimentos desse profissional em
sua atuação, caso contrário nem seria necessário diferenciar as áreas
de atuação. Passamos bem pelas duas primeiras partes da prova, ou
seja, os dois terços iniciais. Quando chegamos na parte específica,
justamente a parte que me avaliaria para a atuação em Deficiência
visual e cujo teor faz parte, obrigatoriamente, da minha formação
específica, eu simplesmente fui ignorada pelos organizadores dessa
"aberração" de prova.
Eu, uma profissional braillista, ligada diretamente a formação de
professores e ao ensino do Braille, usuária desse sistema de leitura
tátil e escrita, simplesmente fui impedida de resolver quase que 1
décimo da prova por pura "incompetência" da FUNDAÇÃO VUNESP que
apresentou algumas questões em formato de imagem, como é o caso da
foto de um texto em Braille para que a gente descobrisse o que estaria
escrito e cujas 5 alternativas eram resultado dessa transcrição. Outra
questão baseava-se na foto de um soroban para que descobríssemos qual
era a operação realizada ali. Outra, ainda, imagens de pessoas guiando
cegos, imagens de aparelhos diversos, e mais imagens de Braille. Isso
tudo para medir um conhecimento superficial, mas de maneira muito
desigual entre quem enxerga e quem não enxerga. Pra completar, a
ledora, que ficou bastante constrangida, tentava descrever e apontar
algumas letras em Braille que estavam estampadas na minha camiseta.
Sem sucesso, pois jamais tinha entrado em contato com tal código e não
havia recebido formação nem para ler textos em Braille, nem para
demonstrar operações em soroban e, muito menos, para descrever outras
imagens contidas na prova. Fiquei bastante sensibilizada com o
constrangimento dela, diante daquilo que não conseguia descrever. Mais
dois coordenadores foram chamados e, numa tentativa frustrada,
perceberam que sem preparo e sem nenhuma adequação era mesmo
impossível prosseguir. eles também tentaram e eu, quase num desespero
contido, busquei ensiná-los, no improviso, o que era Braille e como as
letras eram formadas e como fazemos pra registrar números no soroban.
Não deu...
E agora como eu fico? Fui visivelmente prejudicada por não ter tido
tratamento igualitário para a realização da prova. Pela FUNDAÇÃO
VUNESP não respeitar os meus direitos de acesso à informação, mesmo eu
tido comprovada minha deficiência visual. Queria, de verdade, saber,
se basta apenas copiar de uma Convenção da ONU que os Princípios que
alicerçam os direitos da pessoa com deficiência são justamente o do
desenho universal e o da não discriminação, para cobrar em uma de suas
questões dessa prova. Será que basta saber assinalar uma alternativa
correta, reforçando a não discriminação e, na prática, discriminar
tanto assim? Se essa avaliação fosse medir o grau de inclusão pra se
trabalhar com educação inclusiva, realmente vocês teriam nota 0. Quero
aqui deixar o meu protesto, quero aqui pedir providências urgentes,
inclusive, quero meu direito de responder dignamente as 80 questões
dessa prova, com respeito. A contradição que vemos é justamente do
processo seletivo ser destinado à atuação com pessoas com deficiência
e a própria pessoa com deficiência ter seus direitos tolhidos. De que
educação inclusiva o Estado fala? Qual é essa educação inclusiva que o
Estado tanto prega se depois de formados, esses alunos, futuros
profissionais, terão tantas ou mais dificuldades do que eu tive hoje
ao realizar essa "simples" prova.
Onde fica a capacitação desses fiscais, que vão com a cara e a
coragem, e muita boa vontade, mas sem lhes oferecer o suporte
adequado?
Mostra pra gente São Paulo, na prática, que inclusão vocês querem
prevalecer? Mostra pra gente que não somos tolos em pensar que esse
foi mais um dentre tantos equívocos que tenho presenciado na luta por
uma educação inclusiva de qualidade?
Querem nos avaliar sem quaisquer critérios de inclusão, quantificando
nosso saber e desqualificando nossa formação e nosso conhecimento.
Queremos deixar de ser invisíveis como essas fotografias foram pra mim
hoje, nessa prova. Queremos mais cidadania, menos barreiras e mais
dignidade!
Solicito, urgente, providências para que eu tenha o meu DIREITO de
responder todas as 80 questões dessa prova. Ou será que esse processo
seletivo quer mesmo deixar pra fora as pessoas com deficiência visual?
Não vou permitir que mais essa "injustiça" seja considerada apenas um
"mal entendido", vou lutar até o fim!!!
VAMOS FUNDAÇÃO VUNESP, VAMOS SÃO PAULO MOSTRAR A VERDADEIRA INCLUSÃO
NA PRÁTICA OU ESTÁ TÃO DIFÍCIL ASSIM ASSUMIR QUE SOMOS CIDADÃOS?
Luciane Maria Molina Barbosa
Pessoa com deficiência visual; pedagoga com especialização em
atendimento Educacional Especializado (UNESP - Marília), vencedora do
IV Prêmio Sentidos para pessoa com deficiência.
www.braillu.com
http://facebook.com.br/braillu
braillu@gmail.com
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